
Cyberbullying contra pessoas LGBTQI+ em Portugal: para lá da invisibilidade, o impacto e a responsabilidade de cada pessoa
No ambiente digital em que vivemos, a exposição das nossas identidades, dos nossos corpos e das nossas interações aumenta exponencialmente — e com ela crescem também os espaços e formas de violação da dignidade humana.
O fenómeno de cyberbullying assume contornos particulares quando incide sobre pessoas LGBTQI+ (lésbicas, gays, bissexuais, trans, queer, intersexo, outras identidades de género e orientações sexuais). Apesar de haver legislação específica que devia proteger as pessoas LGBTQI+, em Portugal, os dados revelam que as pessoas LGBTQI+ são vítimas preferenciais desta violência, e que as consequências são duradouras para a saúde psicológica, para a pertença comunitária e para o exercício pleno da cidadania.
Este artigo propõe fazer-nos refletir sobre o impacto das ações individuais e coletivas do cyberbullying contra a comunidade LGBTQI+, recorrendo para isso a dados recentes. O nosso intuito não é produzir um artigo científico, mas sim lançar o desafio de sair da sua zona de conforto, e questionar sobre a responsabilidade da construção de um ambiente digital seguro e inclusivo.
Mas afinal o que é isto de Cyberbullying?
Segundo a definição da UNICEF, o Cyberbullying é o Bullying Digital, como podemos encontrar no seu website, “Cyberbullying is bullying with the use of digital technologies”1.
Podemos encontrar outras definições como as explicadas no Guia de Prevenção do Ciberbullying, produzido em 2025, que define segundo outros autores que o Cyberbullying é (…) um ato agressivo e intencional perpetrado por um indivíduo ou grupo de indivíduos utilizando formas electrónicas de contacto, repetidamente e ao longo do tempo, contra um alvo que não se consegue defender (…)”2.
Reiteramos aqui que todas as formas de bullying, onde se inclui o cyberbullying, têm carácter intencional – quem o pratica fá-lo de forma premeditada -, tem o propósito de magoar, ofender, humilhar, provocar mal-estar, bem como de perpetuar a desigualdade entre quem agride e é agredido3. Este tipo de violência pode ser ainda mais perturbador, pois pode ser realizada de forma anónima (sem ser possível identificar a pessoa autora e sem conseguir reunir testemunhas) e pode fazer a vítima sentir que nenhum lugar é seguro 4.
Cyberbullying contra pessoas LGBTQI+: o que sabemos
Ser jovem e ter uma identidade de género não conforme e/ou ter uma orientação sexual não heteronormativa faz com que haja maior probabilidade destas pessoas serem alvo de violência; assim como, estudantes que sentem respeito, aceitação e inclusão na Escola apresentam menos probabilidades de serem vítimas ou praticarem qualquer tipo de violência.
Portugal dispõe, hoje, de estudos relevantes sobre o tema. Raquel António, investigadora do ISCTE, liderou um estudo que demonstrou que “Mais de 60% dos estudantes foi vítima de bullying online por mais de uma situação durante o confinamento provocado pela pandemia, período em que as aulas decorreram virtualmente.”5
Estudos recentes apontam para uma maior incidência de cyberbullying em pessoas LGBTQI+. São exemplo disso os resultados do “The Free Project” onde se pode ler “os/as estudantes LGBTQ+ são mais frequentemente alvo de cyberbullying do que os/as seus/suas colegas (…)”.6
Segundo a Associação Portuguesa de Apoio à Vítima (APAV), entre janeiro e setembro de 2025, foram apoiadas 17 vítimas de cyberbullying (das 77 vítimas totais de bullying/cyberbullying), com diversas identidades de género. Além disso cerca de 50% das vítimas têm idades compreendidas entre os 11 e os 17 anos.7
O impacto do cyberbullying sobre pessoas LGBTI+
Várias são as consequências do cyberbullying, a começar pela saúde mental das vítimas que fica lesada. A nível psicológico e social, o cyberbullying gera sentimentos de frustração, medo, ansiedade, insegurança, distração, baixa das notas sobretudo em crianças e jovens em idades escolares; a nível físico, podem surgir problemas no sono, dores de cabeça.
O cyberbullying tem um impacto particularmente grave sobre pessoas LGBTI+, uma vez que se cruza frequentemente com conceitos pré-concebidos e preconceitos sociais já existentes. Os ataques online podem assumir a forma de insultos, ameaças, exposição não consentida da identidade de género ou orientação sexual, bem como a disseminação de discurso de ódio.
Além disto, uma das dimensões da discriminação contra pessoas LGBTQI+ é o insulto, nomeadamente pessoas LGBTQI+ crescem e desenvolvem as suas identidades num ambiente em que o insulto homofóbico é normalizado. Consequentemente, estas práticas podem ter consequências graves no desenvolvimento de crianças/jovens 8 e devem ser desconstruídas, com o objetivo de cessarem. Numa era digital, estes insultos podem ser amplificados e podem ter, assim, consequências ainda mais gravosas.
A permanência e a rapidez de propagação destes conteúdos no meio digital intensificam o sentimento de vulnerabilidade, fazendo com que a vítima se sinta constantemente observada e atacada, mesmo em espaços que deveriam ser seguros.
As consequências do cyberbullying refletem-se de forma profunda no bem-estar psicológico e social, existindo uma grande incidência de ansiedade, depressão, isolamento social e baixa autoestima, podendo, em situações mais graves, conduzir a comportamentos autolesivos ou ideação suicida.
Além disso, o medo de novas agressões pode levar à autocensura e à ocultação da própria identidade, dificultando o pleno exercício da cidadania e da liberdade individual. Assim, combater o cyberbullying é essencial para promover uma sociedade mais inclusiva, respeitadora da diversidade e dos direitos humanos.
Conclusão
Os dados portugueses mostram que a população LGBTQI+ é vítima preferencial de cyberbullying, com impactos psicológicos e sociais profundos.
O desafio está em transformar a consciência em ação: cada comentário, cada partilha e cada silêncio conta. A legislação, programas escolares e campanhas de sensibilização são essenciais, mas a ação consciente de cada pessoa é fulcral para garantir um ambiente digital seguro.
Para que todas as pessoas possam existir sem medo ou constrangimento, é necessário que todas as pessoas contribuam para transformar o mundo digital num espaço de acolhimento, intervenção e respeito. No digital — como na vida real — todas as pessoas podem ser agentes de mudança.
Ana Ferreira e Sofia Moreira
*Este artigo encontra-se inserido no Projeto “O Poder das Palavras – Conferência sobre Cyberbullying contra pessoas LGBTQI+”, financiado pela CIG, no âmbito do Apoio Técnico e Financeiro a Organizações da Sociedade Civil LGBTI+ 2025, e integra o ciclo programático da Estratégia Nacional para a Igualdade e a Não Discriminação 2018 2030 – Portugal + Igual (ENIND).
Referências
- www.unicef.org/stories/how-to-stop-cyberbullying
- Simas, C. (2025, Março). Guia de Prevenção do Ciberbullying
- OPP, 2022. Vamos falar sobre Bullying
- OPP, 2025. Recomendações para Pais, Mães, Cuidadores/as e Professores/as – Cyberbullying e Segurança Online
- www.iscte-iul.pt/noticias/1706/maioria-estudantes-vitima-de-cyberbullying-durante-pandemia
- Fernando T., Alves, B & Gato, J. (2022, Fevereiro). The Free Project: Relatório Preliminar sobre Jovens LGBTQ+ e clima escolar em Portugal
- www.apav.pt/estatisticas-apav-vitimas-de-cyberbullying-janeiro-setembro-2025/
- Muñoz-Fernández, N., Del Rey, R. & Elipe, P. LGBTQ + Bullying and Cyberbullying Risk Profiles: Singular Victimization, Combined Perpetration. Sex Res Soc Policy (2025). https://doi.org/10.1007/s13178-025-01141-4
