CULTURA – ARQUIVO 2018

Até que o Porno nos Separe

Ana Ferreira

02 de Dezembro 2018

Jorge Pelicano leva-nos pelos dias de Eulália Almeida, uma mãe que descobre que o seu filho é gay e actor de filmes porno. Sydney Fernandes emigrante na Alemanha tornou-se o primeiro actor porno gay premiado internacionalmente. O filme em tom de documentário conta com a participação dos envolvidos na história, sem actores fictícios, com os rostos reais de cada um dos protagonistas desta história de dor e amor. O coming out engloba toda a família, porque na maior parte das vezes quem está de facto dentro do armário são os pais, estes que têm uma caixa de sonhos e desejos que nem sempre correspondem à realidade dos filhos e do que estes são ou desejam ser.

O filme estreou em Portugal na sexta feira em Coimbra e a LGBTI Viseu fez questão de ir ver. Num teatro com cerca de 400 pessoas o filme e sobretudo a Sra Eulália Almeida foram aplaudidos de pé várias vezes por toda a gente, porque a história e a senhora merecem, pois a luta pela quebra de tabus e preconceitos é feita todos os dias por cada um de nós.

Des(Orientação)

Ana Ferreira

18 de Novembro 2018

João Geraldes apresenta no próximo sábado, no CAOS, em Viseu, o seu primeiro livro Des(Orientação). Um livro que mostra que o preconceito mora muitas vezes no nosso espelho e que o coming out pode ser também uma quebra dessas amarras que estão enraizadas em nós e que são reforçadas pela sociedade e pelo estigma social associado.

O assumir da sexualidade e a quebra do silêncio que a envolve procura desconstruir o medo do indivíduo de sentir, de ser e de viver de forma genuína. Ultrapassar essa barreira torna-se, tantas vezes, uma tarefa complexa durante a qual o indivíduo luta consigo próprio na ânsia de ser verdadeiro, sem que isso de forma alguma o invalide, o torne fragilizado em relação ao seu autoconceito e considerado estranho aos olhos de uma sociedade ainda muito homofóbica e preconceituosa.

João descreve-nos o seu percurso, as suas dúvidas, as suas preocupações e os seus medos que foi desconstruindo, partilhando algumas estratégias que permitiram a aceitação da sua sexualidade como algo natural, independentemente da forma como muitos a possam ver e sentir. O livro é prefaciado por André Lamas Leite, da Faculdade de Direito da Universidade do Porto, Luís Santos, da Universidade Fernando Pessoa, e Diogo Vieira da Silva, coordenador europeu do projeto It Gets Better.

“Um dos principais objetivos é alertar para a necessidade de deixar de existir preconceito em relação à abordagem de alguns temas — neste caso a orientação sexual — que são naturalmente humanos e, acima de tudo, de valorizar as pessoas, independentemente das suas particularidades.”

Transamerica

Ana Ferreira

12 de Novembro 2018

No mês em que se comemora o dia Internacional da Memória Transgénera trazemos-vos Transamerica, filme de 2005 dirigido por Duncan Tucker que conta a história de uma mulher transgénera Bree na brilhante interpretação de Felicity Huffman. Vimos esta senhora em alguns filmes com papéis secundários mas em Desperate Housewives já podemos antever que ela será brilhante e este filme é a prova disso. Vencedora nos Globos de Ouro da melhor actriz de filme dramático, ainda chega a ser nomeada para os Oscares como melhor actriz principal.

Transamérica conta-nos a dramática história de Bree antes de realizar a cirurgia de cirurgia de redesignação sexual. Bree descobre que tem um filho com 17 anos de uma relação que teve com uma mulher e decide ajudar o jovem que se encontra em apuros e preso em Nova Iorque.

Sem nunca suspeitar que a mulher que tem à sua frente é na verdade o seu pai biológico, Toby acompanha Bree numa viagem entre Nova Iorque e Los Angeles onde ela irá submeter-se à cirurgia. O filme tenta mostrar-nos que não existem linhas rectas na educação de um filho, bem como, que as questões de sexualidade não são preto ou branco. A ignorância pode ser combatida e as pessoas podem ser educadas no sentido de compreender a dimensão e a diversidade do ser humano.

Do i Sound Gay

Ana Ferreira

04 de Novembro 2018

Exibido em Julho no Ciclo de Cinema LGBTI de Viseu, no Carmo’81 pela LGBTI Viseu o documentário de David Thorpe traz-nos os estereótipos de voz. Neste caso o próprio sente que a sua voz é demasiado gay, tendo este preconceito com a sua própria forma de falar. O documentário engloba as suas sessões de terapia da fala ao mesmo tempo que David investiga a origem do preconceito e estereótipo de voz que muitas vezes é associada à comunidade gay.

Uma visão interessante sobre a comunidade e como ela própria se vê, numa sociedade cheia de preconceitos e visões estereotipadas. Será a voz algo que se molda ao longo do tempo? Será que as experiências pelas quais passamos se vão interiorizando em nós e inconscientemente mudamos de voz? Perguntas como estas são um exemplo do que vai na mente de Thorpe.

Shameless

Ana Ferreira

28 de Outubro 2018

A versão americana da série começou a ser exibida em 2011, estando a nona temporada ainda a ser apresentada. A história retrata a disfuncional família Gallagher com Frank o pai alcoólico e seis filhos, Fiona, Lip, Ian, Debbie, Carl e Liam. Passada em Chicago nos dias de hoje, a série retrata a sobrevivência de seis jovens deixados a si próprios que fazem de tudo um pouco para ter comida na mesa ou pagar as contas de casa.

Entre o drama e a comédia vamos assistindo ao crescimento e à sua evolução humana, entre risos e lágrimas esta família vai-se entranhado em nós, deixando por vezes sentimentos como raiva por pensar que existem demasiados jovens em situações semelhantes de abandono.

Ian é homossexual, bipolar e alcoólico como todos na família e sempre que se recusa a tomar a medicação as coisas não correm bem. Mas entre altos e baixos a série mostra várias perspetivas da comunidade LGBTI onde Ian se insere, assim como a relação deste com a família.

A série é uma visão crua da vida onde o tema da orientação sexual está patente em todas as temporadas. Demonstra a par o amor e as relações humanas, bem como, as formas positivas e negativas que podem adquirir.

Gayby Baby

Júlia Costa

21 de Outubro 2018

“Gayby Baby”, um documentário de 2015 dirigido por Maya Newell, que retrata a vida de quatro crianças filhas de casais LGBT, Gus de 11 anos, Ebony, Matt e Graham de 12 anos. Gus um rapaz que gosta de tudo o que está relacionado com lutas, para desagrado das suas mães Amanda e Jennie que não são a favor desse passatempo por estar relacionado com violência.

Ebony é uma rapariga que gosta de cantar e que pretende entrar na Escola Secundária de Newtown de Artes de Palco. Na forma de pensar de Ebony a escola escolhida permitirá não só ter aulas de canto como facilitar a sua inserção dado que tem duas mães.  Matt é um rapaz que mora com a mãe, religiosa, e com a sua madrasta. O rapaz debate-se com a questão de ter de decidir se acredita ou não em Deus, decisão difícil de tomar dada a contradição entre o que a igreja diz sobre casamento de casais do mesmo sexo.

Graham foi adotado quando tinha 5 anos por um casal homossexual de dois homens e possui um problema de comunicação, tendo começado a falar apenas com 7 anos e aos 12 ainda tem muita dificuldade na leitura e na escrita. A mudança para as Fiji, Oceânia, por causa do trabalho dos seus pais vai trazer novos desafios tanto para Graham como para os seus pais em questões de aceitação e o assumir da sua relação homossexual.

Gayby Baby pretende demonstrar as questões, dúvidas e barreiras que existem no dia-a-dia destas famílias, devido à existência de preconceitos que as leis que surgem a cada dia e que contribuem para a igualdade de direitos da comunidade LGBTI+ ainda não eliminaram.

Os Sinais do Medo

Ana Ferreira

14 de Outubro 2018

Ana Maria Zanatti Olival, mais conhecida como Ana Zanatti é uma actriz, escritora e apresentadora de televisão portuguesa. Os sinais do medo o seu primeiro livro foi editado em 2003 e conta a história de um grupo de pessoas e como as suas vidas se cruzaram. Flávia e Maria do Carmo, Rosarinho e Rita, Luís e Paulo, e a Mariana. São estes os nomes das histórias que aqui se contam, mas podiam ser tantos outros. Numa existência tão curta do ser humano desafiamos todos os dias o nosso lugar neste mundo e no mundo dos outros. São estreitos os laços que nos unem ainda que por vezes quilómetros nos separem.

Ana Zanatti conta de forma tão sublime como estes seres sentem a vida, como cada um deles tenta sobreviver num mundo tão rígido de estigmas, regras e preconceitos. Num mundo que nos fecha em caixas onde a nossa vida se transforma num puzzle na vã tentativa de encaixar. Tantas peças à deriva, onde falhas são apontadas sem existir, onde viver é considerado um erro, onde amar é criminoso.

“Um medo disfarçado de juiz da moral e dos costumes, que transformam amor e o sexo em actos vergonhosos quando deviam ser belos e libertadores.” (Ana Zanatti)

Call Me By Your Name

Ana Ferreira

30 de Setembro 2018

Call Me By Your Name estreou em 2017, foi escrito por James Ivory e dirigido por Luca Guadagnino e é baseado na obra homónima de André Aciman. Bastante aclamado pela crítica, o filme foi nomeado em diversas categorias por várias vezes em diferentes acontecimentos, tendo vencido o Oscar para melhor Roteiro Adaptado entre outros prémios. Um filme que conta com a presença de Timothée Hal Chalamet no papel do jovem adolescente de 17 anos (Elio) e Armie Hammer (Oliver) um homem de origem americana que está a trabalhar como assistente académico do pai de Elio.

O filme tem acção na Itália dos anos 80 na vila onde se insere a casa dos pais de Elio durante a temporada de Verão. As paisagens italianas de um verão como tantos outros povoam o ecrã, quando a tranquilidade é perturbada pela chegada de Oliver.

O jovem académico cativa desde cedo a família com a sua forma de estar e a sua amabilidade, mas o deslumbramento pela chegada de um estranho provoca em Elio não só a euforia de tudo o que é diferente, sentimento comum nos seres humanos, mas também um despertar emocional ao qual Oliver não fica indiferente. A relação entre Elio e Oliver vai se desenvolvendo gradualmente, numa descoberta mútua, transformando-se numa relação amorosa.

Se ainda não teve oportunidade de ver o filme, poderá fazê-lo dia 4 de Outubro de 2018 (quinta feira) das 21:30 – 23:45 através do Cine Clube de Viseu no IPDJ em Viseu. Para mais informações consultem o link do facebook do Cine Clube de Viseu onde podem ver o preçário e a localização do IPDJ em Viseu.

Quero lhe mostrar como eu vejo

Amanda Jús

23 de Setembro 2018

Amanda Jús, jovem escritora brasileira, que deixou seu país natal na ânsia de vivenciar novas experiências. Comunicadora por escolha e escritora por vocação, sempre encontrou na escrita o seu caminho para as mais diversas aventuras. Sagitariana, de espírito livre e apaixonada pelo inesperado adorava passar horas imersa na história de um bom livro, explorando seu universo e dando vida aos seus personagens dentro de sua cabeça.

Hoje com uma pós-graduação em Comunicação obtida em Portugal comemora sua mais recente conquista: A publicação do seu primeiro livro. “Quero-lhe mostrar como eu vejo” é um livro sobre igualdade. Um livro sobre empatia, sobre respeito, sobre diferenças, mas sobretudo sobre AMOR. A história, escrita numa linguagem simples e acessível para todas as idades, narra a tarde de um jovem casal sobre uma cama elástica, na qual uma menina faz o uso de elementos a sua volta criando um elo de sentimentos na tentativa de descrever para o menino ao seu lado, um rapaz nascido com uma deficiência visual e que nunca fora capaz de ver, as cores do arco-íris.

A ideia por trás dessa história é consciencializar as pessoas de que não importa as diferenças. Não importa o quão distinto do outro nós pensamos que somos. Quando abrimos nossos corações para encarar o mundo com empatia, com amor, nos tornamos capazes de criar pontes indestrutíveis. Pontes que nos unem, nos conectam. Pontes que nos possibilitam encontrar no outro o reflexo de nós mesmos. Este livro vem para lembrar que o que nos faz diferentes não deveria ser aquilo que nos separa. Pelo contrário, devemos olhar para o outro através do amor e ver nas diferenças a beleza do universo. Afinal, qual seria a graça do mundo se fossemos todos iguais?

O Retrato de Dorian Gray

Susana Cardoso

16 de Setembro 2018

Esta obra, da autoria de Oscar Wilde, foi publicada pela primeira vez em Julho de 1890 na versão britânica da revista “Lippincott’s Monthly Magazine”. De forma sumária, a obra retrata o percurso de Dorian Gray, um hedonista que busca o prazer efémero e que reflete bem o mito de Narciso, já que vive obcecado com a própria beleza e juventude e de tudo faz para prolongar essa juventude e beleza numa corrida incessante contra o tempo e a decrepitude. Esta novela que desafiava os códigos morais vigentes, incluía não só os temas do hedonismo, a luxúria, a busca da felicidade instantânea, mas também inclui de forma mais ou menos subtil referências homoeróticas.

Ora, ainda em pleno período victoriano, esta não poderia ter sido uma publicação mais controversa, que chocou as mentes púdicas e conservadores dos ingleses. O livro foi muito mal aceite pelo público e apelidado de ser um “livro venenoso” ou de ser puro lixo. Escusado será dizer que, a versão original, foi amenizada pelo próprio autor de forma a poder ser novamente republicada e que os temas de homoerotismo foram “amenizados”.

O próprio Oscar Wilde, que não escondia as suas paixões por jovens do mesmo sexo, fez com que ele se tornasse “persona non grata”, e chegou mesmo a ser condenado a trabalhos forçados pelo crime de sodomia.  Apesar de mais de 120 anos terem passado após a publicação deste livro, ainda há 72 países que criminalizam a homossexualidade (segundo estudo da ILGA revelado em 2017). Oscar Wilde foi um homem bem à frente do seu tempo, e pagou pela liberdade de não querer esconder a sua verdadeira identidade.

Para quem tiver interesse em descobrir ou revisitar este clássico, existem diversas edições em português de diversas editoras. Nomeio algumas que me ocorrem: Colecção de Clássicos da Relógio d’Água, uma edição pela editora Guerra e Paz, ou num formato de bolso pela editora 11×17. Uma vez que o texto também já faz parte do domínio público, conseguem encontrar versões gratuitas online.

Queer: A Graphic History

Susana Cardoso

22 de Junho 2018

Queer: a graphic history foi a minha mais recente leitura com temática LGBTQI+, e devo dizer que o livro é uma excelente introdução a várias das questões que continuam a discutir-se no que toca aos direitos das pessoas que se identificam como parte deste espectro colorido.

O termo “queer” é um termo que me é muito caro porque é uma palavra que reforça a ideia da não-normatividade. Daí o termo “queer umbrella”, que é ilustrado na capa, que não refere um género em particular, mas sim o não se identificar com o estereótipo do género com que a pessoa se identifica.

Aqui poderão encontrar desde a origem do termo “queer”, à evolução das teorias de sexualidade / género, ao questionamento dos diversos binómios: homem x mulher; homo x hétero; inato x aprendido, e por aí fora.

Quando ao facto de esta ser uma “graphic history”, bem, a ilustração pelo menos não me pareceu ser nada de excepcional. É um toque interessante para aligeirar e tornar mais apelativo um tema tão complexo, mas não é uma característica de destaque no livro.

Aconselho este livro especialmente a quem tem interessa na temática LGBTQI+, mas também a quem julga saber mais que o suficiente sobre a temática…porque há sempre algo novo a aprender. Um excelente livro introdutório às teorias queer.

O Amor dos Homens Avulsos

Susana Cardoso

02 de Abril 2018

A beleza da ficção é, por exemplo, permitir abordar temas que possam ferir susceptibilidades sem visar ninguem em particular, uma vez que as personagens são produto da criação do seu autor. Obviamente que estou a simplificar bastante a questão, pois o autor pode sofrer retaliações por escrever sobre x tema, mas o livro de que venho falar é um exemplo de um excelente trabalho de ficção que aborda temas que poderiam ser mais difíceis de abordar na não ficção.

O Amor dos Homens Avulsos, de Victor Heringer, um jovem e promissor autor que faleceu há menos de um mês, além de ser um exemplo de uma ficção exímia e muito poética, tem como cerne da narrativa uma relação homoerótica entre dois jovens adolescentes. É, portanto, um romance de formação, mas a homossexualidade não é o único tema premente abordado no livro.

A narrativa acontece nas favelas do Rio de Janeiro, um ambiente hostil por natureza, onde vigora a “lei do mais forte” e onde a pobreza e a baixa escolarização fomentam comportamentos discriminatórios.

Além do amor homoerótico, temas de corrupção, racismo e crimes de ódio são abordados no livro. A ficção imiscui-se na realidade, pois apesar de a mentalidade na sociedade estar a mudar, sabemos que cada vez há comportamentos mais extremados e que a segurança não é ponto assente em locais onde grassa a miséria, mas também não o é em locais de maior condição sócio-económica.

“De acordo com a polícia metropolitana, o número de crimes de ódio homofóbico cometidos em Londres duplicou nos últimos 5 anos – subindo de 1156 para 2079 nos 12 meses até Fevereiro deste ano.” [tradução minha]

Vivemos numa era em que estes temas finalmente deixam de ser tabu, mas em que continua a haver uma enorme discriminação contra pessoas que fazem parte de minorias. Os direitos à segurança e liberdade são transversais a todos os indivíduos, sejam eles parte da maioria ou de uma minoria.

Seja ou não através da ficção, é importante continuar a abordar estes temas, a fomentar a reflexão de cada um de nós, a procurar soluções para um mundo onde os problemas somos também nós que os criamos.

E como Heringer nos conta n’ O Amor dos Homens Avulsos, o afecto e a tolerância são a solução possível para um quotidiano que constantemente atenta contra a nossa privacidade e segurança.

Nota: O livro não se encontra actualmente editado em Portugal, mas o e-book pode ser adquirido em livrarias online brasileiras.

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