
Esta carta vem dum sítio chamado amor. Não sei se existe em mapas, mas mora aqui dentro, no meu peito, no lugar onde o teu nome arde devagar. Escrevo-te de um lugar onde tudo em mim te reconhece, mesmo quando não te vejo. Onde cada palavra que digo, já tem a forma da tua boca. O amor existe. Dizes tu, com os olhos cheios da certeza, de quem veste a idade para sonhar.
Eu, desconfiado, perdido entre medos antigos e silêncios herdados, não respondo. Vou provar-te que existe. Dizes, com voz que fala e olhos que dançam. És muito bonito. Digo. Mas não é do teu rosto que falo. É o teu olhar. Tu não tens olhos. Tens peixes. Vejo peixes. Peixes que voam no meu mar. Sou um aquário por limpar. Fico quieto. Silêncio. Viajas da Terra do Nunca, até mim, meu menino perdido. Diz-me quem és. Deixa-me tocar-te nos olhos. E diz-me apenas quem és. Tocas. Fujo. Tocas. A tua fotografia. Dizes. Os teus ombros. O teu sorriso guardado numa moldura qualquer. Olhas. Desejas. Queres.
O medo parte-me os vidros da janela que dá para o Tejo. O medo de te magoar. O medo de amares uma ideia, um reflexo, uma possibilidade, um espelho, um sonho, um desejo. E fujo. Fujo de mim, de ti, da ideia. Porque amar é um risco perigoso. E eu sou um bicho hibernado na toca bem treinada. Perdi a chave. Está tudo trancado. Portas, janelas, memórias. Até as gavetas onde guardei os beijos que nunca dei. Tu, com um sorriso de quem sabe nadar em corações fechados, sussurras: Eu ensino-te a nadar. Mas eu só sei afundar. Tenho medo da água. Rebolei na onda e perdi o boné. Nos braços do meu pai, não me afoguei. Nunca aprendi a nadar.
Tenho medo do teu oceano. Tenho medo de me abrir e nunca mais voltar a ser inteiro. Tenho mãos, sorris-me tu. Tenho braços. Mas eu não tenho coragem. Fugir sempre foi mais fácil do que acreditar. Clichê? Amor. Um mês depois. Não desistes. Desistir não é um verbo a conjugar. Leio as palavras na tua boca como quem descobre um poema num idioma esquecido. A língua de homens que amam homens. Ainda se ama aos 50? Tenho idade para sorrir sozinho. Nesta língua de homens, somos peças de antiguidade. O pó já não se limpa. Tu tens idade para voar e derrapar nas nuvens. É teu filho? Podia ser. Não é. O teu corpo não tem idade e eu não sei contar. Dizes-me. 20 anos. Tens 20 anos. Que queres de mim? Quero-te a ti. Aprendes o meu dicionário. Meu bebé grande. Sorrio de vergonha ao te ouvir. E eu também sorrio contigo. Estou nervoso. Eu também. O peito. O tempo. A calma.
Quatro horas da tarde. Casa do Alentejo. Coração nos olhos. A camisa a tremer. Os meus olhos afogam-se nos teus. Vejo-te. Um sorriso onde espero nadar. Tão certo. Tão claro. Tão inevitável. Um beijo? As mãos? O corpo decide por nós. Um abraço. O calor. Nós. Não existem olhos. Não existe tempo. O mundo parou. Sem clichê. O mundo parou. O teu peito no meu peito. O meu coração no teu coração. Silêncio. Um abraço é a forma humana mais perfeita que existe. Acreditas no amor à primeira vista? Silêncio. De mão dada? A primeira vez. Não? Sim. Medo. Vergonha. Mas não largo a tua mão. Depois o rio. O rio e tu. Os meus dois amores. Um banco de jardim admira o rio. Um banco de rio, na verdade. Estamos no Campo das Cebolas. “Chegamos sempre onde nos esperam.” Segreda-nos Saramago, enquanto retira os óculos. Os teus lábios. Foges. Os narizes. Fujo. Os meus olhos. Silêncio.
Pinto-te neste momento que é só nosso. O teu peito é a minha toca. Não sei nadar. O primeiro beijo. Tremes. Os olhos fechados são água onde caminho descalço. O beijo é um contrato. Não dito. Não assinado. Mas eterno. É a promessa que o corpo faz à alma. Tu és o lugar. És o sim. És a chave do mar. Olhas para mim como quem pede licença para existir aqui. No meu corpo. No meu tempo. Deixa-me entrar. E agora? Onde estamos? Na minha cama. Descubro o teu peito. O meu rosto pintado no teu peito. Quero ser teu namorado. Vamos ser amigos especiais. Quero ser teu namorado. Dizes. O rio ainda corre. Ainda estamos de mão dada? Sim. Não me largues a mão. Não me largues a mão.