A diversidade não nos diminui. A diversidade acrescenta-nos!
Este mês trazemos a entrevista a Manuela Ferreira, conhecida por muitas pessoas no meio activista LGBTI+ em Portugal. No entanto existem sempre histórias por desvendar e esta era uma entrevista que já tínhamos pensado há muito tempo realizar e nada melhor do que uma altura de mudança para o fazer. Abusámos da boa vontade da Manuela e usurpámos a frase que nos forneceu para o título deste artigo. Muito obrigada pelo tempo dispensado!
O que é a AMPLOS? E que tipo de trabalho desenvolvem? Como funcionam?
MF: A AMPLOS, associação criada em 2009 pela mão da Margarida Faria, é uma associação composta por mães e pais que lutam contra todo o tipo de discriminação, em particular a direcionada às pessoas LGBTI+. O nosso grande trabalho é o apoio a famílias de pessoas LGBTI+ que nos chegam com as suas dúvidas e receios, fazê-las perceber que isto é um caminho que terá dias menos bons mas, que se faz, e em conjunto é bem mais fácil. Para além deste apoio de pares, temos também apoio psicológico. Oferecemos formação a escolas, centros de saúde, câmaras, empresas, etc. Temos também a vertente de intervenção política na luta por melhores leis e direitos iguais.
Quem é Manuela além de Mãe AMPLOS?
MF: Uma pessoa em construção, que todos os dias acorda a pensar que aprendeu algo ontem mas que hoje de certeza irá aprender mais um pedacinho. Que gosta de estar em família, com pessoas amigas, que gosta de ler, ouvir música, ouvir pessoas jovens (tenho aprendido imenso a ouvi-las), que gosta de rir, de comer, de dormir e que precisa às vezes de estar sozinha para se ouvir a si própria.
Como começou esta aventura da AMPLOS?
MF: A minha aventura na AMPLOS começou em 2010, quando enviei um e- mail para a associação a falar da conversa que tinha tido com o meu filho sobre a sua homossexualidade. O mail foi enviado em Março mas eu só apareci na AMPLOS em Outubro desse ano, precisamente no dia em que a associação fazia o seu primeiro aniversário (fato que desconhecia). A conversa com o meu filho correu bem e rapidamente se falou com o resto da família e pessoas amigas e tudo correu na perfeição (ok! eu chorei 3 dias e depois pensei para mim: “Estás a chorar do quê ?!?!?!!? e parei !!! Aliás até porque faz mal à pele hahahah) mas eu precisava de ter o assunto bem estruturado dentro da minha cabeça e por isso procurar ajuda fazia todo o sentido. Foi óptimo encontrar a AMPLOS onde aprendi imenso e ter ido às reuniões fez-me perceber que não estava sozinha neste caminho, que havia caminhos diferentes mas tínhamos sempre o mesmo foco, que era acolher e respeitar as nossas crianças, jovens e pessoas adultas. Nessa altura eram mais mães (ou só mães!) de pessoas gays ou lésbicas e somente uma mãe de uma pessoa trans.
No instante em que cruzei a porta e a Margarida me deu um abraço, senti que apesar de não haver questões com a minha família e pessoas amigas, estava no sítio certo para me empoderar enquanto mãe de um filho gay, enquanto cidadã e enquanto pessoa e acho que foi aí que tornei uma mãe AMPLOS.
O seu mandato terminou recentemente e a AMPLOS tem uma nova direcção. Há quantos anos fazia parte da coordenação, em que cargos e quais as dificuldades que sentiram na altura enquanto associação? E o que a motivou para fazer parte dos órgãos sociais?
MF: Quando cheguei à AMPLOS em 2010 e depois do apoio e da ajuda que recebi, fez-me todo o sentido (até para retribuir a ajuda que me tinha dado) ficar para poder ajudar outras mães, pais e pessoas que cuidam que chegavam. Assim, fui ficando, ficando e quando dei por mim estava na direção onde estive 6 anos como vice-presidente da minha querida Margarida e depois o orgulho de estar presidente desta associação, cargo que ocupei durante 4 anos.
Ao sair este ano, completei dez anos de direção e posso afirmar que já se fez um longo caminho, nós enquanto associação e a própria sociedade mas ainda há muito caminho à nossa frente. Claro que os primeiros anos foram anos de consolidação da associação e de luta pelos direitos das pessoas LGBTI+ e os desafios eram diferentes. Agora temos que lutar para a adaptação desses direitos às novas realidades e vigilância aos já adquiridos.
Por isso, estes 10 anos de cargos directivos desta associação, onde o grande pilar é o amor, é dar colo e fazer sentir que a partir do momento em que aqui chegamos nunca mais estaremos sós e a honra de conhecer tantas famílias e tantas pessoas jovens e ter o privilégio de me confiarem as suas histórias é de um valor sem fim e do qual estarei para sempre grata. Saí, mas sem dúvida muito mais rica de que quando aqui cheguei há 13 anos atrás.
Porque acha que a sociedade ainda possui tanto preconceito e discriminação relativamente à população LGBTI+?
MF: Puro desconhecimento. O que não conhecemos prova-nos medo. E esse medo impede-nos de pensar com clareza e nasce aí o preconceito. Algumas pessoas conseguem dar o passo em frente e procuram conhecer esta realidade, mas infelizmente ainda existe muita gente que fica agarrada a esse medo, a esse preconceito e não consegue, ou não quer, dar o passo necessário para conhecer esta realidade e perceber que as crianças, as pessoas jovens, as pessoas LGBTI+ em nada diferem da restante população. Riem, choram, estudam, trabalham, amam, têm desgostos de amor, podem ser a enfermeira que nos atende no hospital, a pessoa da repartição das finanças ou o miúdo de sorriso aberto que nós recebemos em casa, por ser o melhor amigo da nossa filha.
Por isso é tão importante (ainda!!!) a visibilidade desta população, a saída do armário de figuras públicas, a comunicação social trazer para a praça pública reportagens, conversa (sérias!!!) sobre estes temas, o trabalho das associações e sem dúvida o nosso trabalho individual enquanto parte integrante desta mesma sociedade, porque se cada um de nós tentar esclarecer quem connosco se cruza (trabalho, vizinhos, amigos) o mundo irá dando os seus passos para que o preconceito e a discriminação possam ser erradicadas.
Tenho uma frase que gosto muito (para além da que mencionei em cima) – “Tudo acaba bem, e se não está bem, é porque ainda não acabou” – portanto o nosso trabalho enquanto activistas ainda não acabou e temos que lutar todos os dias para que um dia esteja tudo bem.
Tendo em conta o panorama dos direitos LGBTI+ em Portugal o que acha que ainda falta fazer?
MF: Em questões de direitos, a aprovação da penalização das terapias de conversão (que espero que seja ainda este ano), alteração à lei 38/2018 (Autodeterminação da Identidade de Género) com a inclusão das pessoas imigrantes e baixar a idade para a possibilidade de alteração dos documentos legais, legislação que permita aos homens gays o acesso à paternidade biológica (as chamadas barrigas de aluguer), isto assim à priori, porque nada é estanque e as leis devem acompanhar a evolução dos tempos.
Que projectos tem para o futuro? (Podem ser pessoais ou enquanto associação)
MF: Continuarei a estar ligada à AMPLOS, ajudando no que for preciso e com a devida autorização do meu presidente estarei mais focada na minha zona de residência onde espero estabelecer bons contatos e criar as pontes tão necessárias para o mundo avançar. Espero ir fazer uma formação e ter enfim mais tempo para família e amigos mas o activismo que começou (mais a sério) há 13 anos atrás não me deixará nunca mais.
Hei-de ser velhinha (mais ainda hahaha) e irei desfilar com a minha bandeira na Marcha Pride.