ARTIGOS – ARQUIVO 2019

O que disse Foucault sobre a sexualidade

Iara Lugatte

19 de Dezembro de 2019

O dispositivo da sexualidade ontem e hoje: sobre a constituição dos sujeitos da “anomalia sexual”

Em seu livro História de Sexualidade vol.1 – A vontade de saber, Michel Foucault questionou a ideia naturalizada que nós fazemos da sexualidade como dado da natureza cuja verdade intrínseca pode ser apreendida pelas ciências médicas e psicológicas. Para destacar seu caráter artificioso como instância de regulação de corpos, comportamentos e produção de subjetividades, ele formulou sua noção acerca do “dispositivo da sexualidade” (FOUCAULT, 1999, p. 100) como uma rede de saberes e poderes que se apropriam do corpo em sua materialidade viva e, assim, o investem de significação e inteligibilidade. Foi seguindo esta grade interpretativa que Foucault pôde mostrar que a sexualidade atravessou os séculos XIX e XX como um crucial elemento organizador e definidos da verdade mais íntima dos sujeitos, isto é, como foco aberto e privilegiado para uma série de escrutínios e investigações capazes de produzir inúmeros efeitos de normalização e patologização sobre a vida de indivíduos e populações.

Com a reelaboração do conceito de sexualidade como um dispositivo disciplinar e biopolítico, Michel Foucault demonstrou o caráter histórico da produção do sexo e da sexualidade ao longo dos séculos XVIII-XIX-XX, além do seu funcionamento crucial na composição de um sistema instituído sobre a premissa de uma correlação verdadeira e indissolúvel entre sexo-corpo-desejo. Foucault nos mostrou em suas análises histórico-genealógicas que a partir de meados do século XIX os corpos e as práticas eróticas de crianças, mulheres, rapazes e mesmo do casal foram esquadrinhados em vista do estabelecimento da fronteira entre normalidade e patologia, em uma operação que fundiu os discursos médico, jurídico, psicológico e governamental. (FOUCAULT, 1984, p. 29)

A nominação e classificação dos sujeitos da sexualidade se deu a partir de uma engenharia conceitual e institucional que escrutinou os corpos e descreveu minuciosamente práticas sexuais, hierarquizando a ambos entre normais ou anormais. Numa palavra, uma vez constituído o dispositivo histórico da sexualidade, o sexo (com seus misteriosos desejos, com sua fisiologia complexa, com suas aberrações assustadoras) se tornou uma instância privilegiada de determinação da verdade mais íntima dos sujeitos e de sua classificação enquanto pertencentes à classe das anomalias ou da normalidade, separando-se os indivíduos e as populações entre os que constituem perigos a serem socialmente disciplinados, vigiados, castigados e os que fornecem o parâmetro para as boas sociabilizações.

A fim de ampliar essa discussão, devemos também nos perguntar sobre a ação do dispositivo da sexualidade na constituição do sistema sexo-corpo-gênero. Embora a abordagem desse problema requeira a mobilização de outros conceitos e autoras, em particular os questionamentos de Butler sobre o gênero (BUTLER 1989) e as interrogações propostas pela teoria queer (BOURCIER 2011, p. 143), esta é uma questão que, ao menos num plano inicial, pode ser analisada por meio da noção foucaultiana de dispositivo da sexualidade. Trata-se, neste contexto, de interrogar a constituição de novas subjetividades a partir da formação do dispositivo da sexualidade, em particular aqueles novos sujeitos que irão habitar os porões, não necessariamente mal iluminados, da sociedade da segunda metade do século XIX. Dentre uma miríade de figuras das assim chamadas “sexualidades periféricas” (FOUCAULT, 1999, p. 41), isto é, as práticas sexuais não-normativas, Michel Foucault privilegiou em suas reflexões a produção de pelo menos quatro novas subjetividades produzidas no âmbito do dispositivo histórico da sexualidade: a criança masturbadora, a mulher histérica, o jovem homossexual e o casal não malthusiano. (FOUCAULT, 1984, p. 47) Para a presente análise, recortamos em particular a figura do sujeito homossexual, tal como ela foi produzida por meio do discurso médico.

Segundo Foucault:

Esta nova caça às sexualidades periféricas provoca a incorporação das perversões e nova especificação dos indivíduos. A sodomia – a dos antigos direitos civil ou canônico – era um tipo de ato interdito e o autor não passava de seu sujeito jurídico. O homossexual do século XIX torna-se uma personagem: um passado, uma história, uma infância, um caráter, uma forma de vida; também, uma fisiologia misteriosa. Nada daquilo que ele é, no fim das contas, escapa à sua sexualidade. Ela está presente nele todo: subjacente a todas as suas condutas já que ela é o princípio insidioso e infinitamente ativo das mesmas; inscrita sem pudor na sua face e no seu corpo já que é um segredo que se trai sempre como natureza singular. (FOUCAULT, 1984, p. 43)

Igualdade e Inclusão

Ana Ferreira

07 de Novembro de 2019

Para os mais distraídos começo por informar que isto é apenas um artigo de opinião, não está inserido em nenhuma revista ou jornal científico, eu não sou especialista em matéria alguma e não fiz nenhum estudo ou pesquisa onde possa ter obtido resultados sobre coisa alguma. Isto é simplesmente um conjunto de frases que há já alguns dias que povoam o meu cérebro, por isso é apenas um artigo de opinião sobre um assunto.

Não sei se ambos vão ler este artigo mas gostaria de dar os parabéns a André Carvalho um rapaz trans que tive o prazer de conhecer em Vila Real este ano antes da Marcha LGBTI+ dessa cidade, um rapaz doce que fez um discurso muito emotivo nesse dia e que creio ter deixado todas as pessoas que o ouviam com a lágrima ao canto do olho. Dou-lhe os parabéns pela coragem de se expor num país e num mundo onde ser trans ainda é sinónimo de sofrer discriminação ou mesmo ser morto apenas pelo facto de existir. Dou os parabéns à Paula Allen, pessoa com quem já tive o prazer de conversar e de me cruzar algumas vezes, psicóloga e sim pessoa com conhecimento de matérias que talvez não fizesse mal a todos os portugueses saber e interiorizar pois talvez se tornassem pessoas melhores e com atitudes menos discriminatórias. Paula Allen faz parte de uma associação, denominada de Associação Plano i que faz um trabalho esplêndido neste país, actuando principalmente na zona norte do país onde está sediada. Esta associação possui em parceria com a Câmara Municipal de Matosinhos a única Casa de Acolhimento de Emergência para Vítimas de Violência Doméstica LGBTI do país e isto não é uma opinião, é um facto.

Recentemente o canal de televisão TVI passou uma reportagem sobre pessoas trans em Portugal e os seus desafios. Além desta reportagem existiu também um debate sobre a matéria onde André Carvalho e Paula Allen estiveram presentes. Deixo-vos abaixo o link para que possam ver e tirar as vossas próprias conclusões.

Convidar alguém que não é especialista ou pessoa trans para falar num debate sobre identidade de género não me parece muito lógico, sobretudo quando essa pessoa se apoia em artigos de opinião e opiniões para fundamentar uma teoria da conspiração assente em premissas que se contradizem. Falar de inconstitucionalidade de uma lei sem conseguir explicar porque ou fundamentar a mesma não me parece correcto. Assinar uma petição que pretende eliminar a liberdade de ser de seres humanos com base na opinião de que se nasceu rapariga/rapaz não pode mudar a sua identidade de género só porque não concorda não me parece correcto. Ofender as pessoas simplesmente porque acham que ser trans é ser doente, que apoiar as pessoas trans é pactuar com esse atentado à moral e bons costumes e derrubar as famílias tradicionais é simplesmente irracional e um atentado aos Direitos Humanos.

O trabalho dos activistas LGBTI+ é visto muitas vezes como desnecessário como se o mundo fosse já um lugar perfeito com direitos e deveres que todas as pessoas cumprem e onde cada pessoa pudesse viver em segurança independentemente da sua orientação sexual ou identidade de género. Infelizmente não é e por isso existe ainda muito trabalho a fazer para que as opiniões sem fundamento e as teorias da conspiração sobre ideologias inexplicáveis sejam combatidas e desmistificadas.

Erotismo – Uma reflexão

Iara Lugatte

05 de Novembro de 2019

O artigo do mês de Novembro será uma reflexão sobre o tema EROTISMO, segundo o escritor francês Georges Bataille (1897-1962), nascido em Billom. Ele produziu uma vasta obra que viaja por vários domínios, desde a literatura, a filosofia, a antropologia, a economia, a sociologia e a história da arte. Faremos, também, uma breve passagem pela psicanálise, embora, este tema seja de grande abrangência e muito rico, não quero alongar-me, pois pretendo retomá-lo numa outra oportunidade.

Para Bataille, o erotismo era “a aprovação da vida até na morte”. Bataille foi um grande pensador, sempre questionou na sua obra os caminhos e a conduta da humanidade. Para ele o erotismo é um ponto nevrálgico e o limite entre o natural e o social, o humano e o não humano que supera a “descontinuidade própria do homem”.

Bataille escreveu o seu mais importante e emblemático livro “O Erotismo” que marca toda a sua obra entre gerações de intelectuais e leitores anónimos. Nesta obra, o pensador francês apresenta uma reflexão sobre a importância do erotismo nos aspectos fundamentais da natureza humana. Bataille mostra como as formas do erotismo – o erotismo dos corpos, o erotismo dos corações e o erotismo sagrado – substituem o isolamento do Homem, de sua descontinuidade, por um sentimento de continuidade profunda, próprio da morte.

De acordo com o Fernando Scheibe (tradutor brasileiro da obra de Bataille) o escritor francês definiu o erotismo como ápice da possibilidade humana:

            “O ser humano é um ser descontínuo, nasce só, morre só. O paradoxo é que se, por um lado, queremos sempre conservar essa descontinuidade (tememos a morte), por outro, sentimos falta da continuidade perdida nos percebermos como ’indivíduos’ (desejamos a morte). O erotismo é a dança, propriamente humana, que se dá entre esses dois polos, o do interdito e o da transgressão. O interdito, a proibição, o mundo do trabalho, da identidade, da conservação, da descontinuidade, torna o homem humano. Mas também faz dele uma coisa. A transgressão do humano é o ápice do humano. O erotismo é a experiência interior dessa transgressão, desse ápice. A experiência interior do homem é dada no instante em que, quebrando a crisálida, ele tem a consciência de dilacerar a si mesmo, não a resistência oposta de fora”.

O erotismo, a transgressão e o sagrado foram os temas mais frequentemente abordados pelo pensador. Bataille fala dos diferentes aspectos da vida humana sob o ângulo do Erotismo, bem como, apresenta a Psicanálise e a Literatura como áreas de estudos sobre o tema. Além disso, existem três textos inéditos de Bataille sobre o erotismo, e um debate que se seguiu a uma conferência proferida por ele em 1957, intitulada “O erotismo e a fascinação pela morte”.

Assim sendo, a Psicanálise também dialogou com o pensamento de Bataille e com o erotismo ao propor um novo conceito sobre a sexualidade, a parte da biologia organicista, ao pensar o Homem como um ser “fraturado” pelos seus desejos e pela total impossibilidade de reconciliá-los com a realidade.

Freud subverte a ordem das coisas, ao afirmar que o Homem como um ser, cuja pretensão, seria alcançar um ideal de felicidade plena, demonstrou que este anseio é pura idealização, e que na ordem do humano, este vive mergulhado em conflitos com os quais deve aprender a conviver. Com isso, a teoria freudiana visa dissociar o corpo biológico, a sexualidade reprodutiva, e inscrever a sexualidade em outro campo, o campo do desejo, assim, ele mostra que o Homem é totalmente dotado de pulsões que se traduzem num excesso de energia libidinal, sem que esta nunca se esgote, embora busque a satisfação, incessantemente.

Portanto, a sexualidade humana se apresenta, desde sempre, imersa no campo do desejo sexual, para os quais ela busca satisfação através das zonas erógenas, designação dada por Freud. Segundo o Mestre, estas zonas são as fendas e os orifícios corporais por onde emanam o erotismo, e que buscam um complemento no Outro, tal como diz Bataille:

            “O sentido último do erotismo é a fusão, a supressão do limite”. Georges Bataille

Referências bibliográficas

Bataille, Georges – O Erotismo – Ed. Autêntica – Brasil

Freud, Sigmund – Os três ensaios sobre a sexualidade – Imago Editora – RJ

Menstruação Ecológica

Sam Blue

 10 de Outubro de 2019

Hoje em dia, pode dizer-se que todos nós temos uma grande preocupação com o meio ambiente e com a nossa pegada ambiental. O que muitas pessoas não sabem é que produtos como os pensos higiénicos ou tampões são das bastante pouco ecológicos. Ora vejamos…

Estima-se que em média uma pessoa gaste cerca de 11000 (onze mil) pensos e/ou tampões ao longo de toda a sua vida. Se multiplicarmos isso pelo número de pessoas a menstruar em todo o mundo dá para termos uma ideia do impacto, de quanto plástico é descartado para o meio ambiente, da quantidade de químicos (presentes nos tampões e pensos, que vão poluir o nosso planeta, para não falar da enorme quantidade de água necessária para a produção de algodão.

Foi a pensar nestes dados que parti para a demanda de encontrar o produto reutilizável ideal para mim.

Como pessoa não-binária, transmasculina, apresento disforia de género, que de alguma forma vou combatendo usando roupas “masculinas”, enquanto o processo médico vai sendo resolvido. O facto de usar boxers “masculinos”, sempre me fez alguma diferença, dando-me alguma segurança em momentos mais ou menos íntimos, no entanto, na hora M, sempre foram um entrave, por isso a minha primeira opção foi o copo menstrual, que pode ser usado com todo o tipo de roupa interior.

Comprei o copo menstrual mais pequeno possível, devido a problemas de saúde, mas, surpresa das surpresas, o copo não só me magoava, como também aumentava a minha disforia durante o período menstrual.

Após desistir da procura por algum tempo, deparei-me com a realidade dos pensos reutilizáveis, encomendei os primeiros. Embora sempre me fossem mais confortáveis com o copo, não eram práticos porque não encaixavam bem nos boxers, saiam do sítio, entre outros problemas. Soube que, apesar de tudo, eram o caminho correcto. Fui procurando lojas de pensos online, até que encontrei a loja Bruxa Que Virou Fada. Decidi falar com eles, um pouco a medo, porque, infelizmente nunca sabemos como vamos ser recebidos, e qual não é o meu espanto, quando se propuseram a fazer pensos especialmente para mim, para que pudesse usá-los com a roupa interior que me faz sentir mais eu, que me faz sentir mais confortável.  Fizeram um modelo, que acabei por comprar, dado o facto de serem relativamente baratos e serem à partida um produto com muita durabilidade.

Posso dizer, agora que já os recebi, que nunca me senti tão bem. Os pensos encaixam bem em vários modelos de boxers diferentes, não acumulam odor aquando a menstruação, são bastante absorventes (nesta loja há pensos para os vários fluxos), para não falar no facto de terem atendido tão bem as minhas necessidades e de diminuir de alguma forma o meu desconforto comigo mesmo e com o meu corpo.

Aconselho vivamente a toda a gente que menstrua, sim porque nem todos somos mulheres menstruando, a procurar a alternativa mais adequada às suas necessidades, quer ao nível de gosto pessoal, quer de saúde, e, caso optem por comprar pensos reutilizáveis, esta loja é sem dúvida uma alternativa bastante friendly para todxs nós!

Sexo ou sexualidade

Iara Lugatte

09 de Outubro de 2019

Sexo = Sexualidade? Esta é uma reflexão que tenho levado aos meus pacientes e, outrora, aos alunos do curso de psicologia onde ministrava a cadeira de Psicanálise.

Sendo assim, considerei pertinente partilhar com todos vocês essa reflexão. Encontrei um artigo no Blog “Vivendo a adolescência” (Brasil) que aborda essa questão de uma maneira informal e fluida para um melhor entendimento de todos.

Vamos falar de sexo?

Sexo e Sexualidade são a mesma coisa? Todo mundo tem sexualidade?

Quando começa a sexualidade? Eu posso viver a minha sexualidade livre de preconceitos, medos e falsas crenças?

Quem nunca fez essas perguntas ou pelo menos já ouviu uma delas na roda de amigos, na sala de aula na orientação de um(a) profissional de saúde quando o tema é sexualidade. Vamos juntos conhecer um pouco mais sobre este assunto que está na nossa cabeça, conversas, desejos, sentimentos…

Sexo = ou ≠ de Sexualidade?

Muitas pessoas acham que ao falar de sexualidade estamos falando de sexo, mas é importante entender que sexo se refere à definição dos órgão genitais, masculino ou feminino, ou também pode ser compreendido como uma relação sexual, enquanto que o conceito de sexualidade está ligado a tudo aquilo que somos capazes de sentir e expressar. Abaixo vamos conhecer o Conceito da Organização Mundial de Saúde.

“A sexualidade faz parte da personalidade de cada um, é uma necessidade básica e um aspecto do ser humano que não pode ser separado de outros aspectos da vida. Sexualidade não é sinônimo de coito (relação sexual) e não se limita à ocorrência ou não de orgasmo. Sexualidade é muito mais que isso, é a energia que motiva a encontrar o amor, contato e intimidade e se expressa na forma de sentir, nos movimentos das pessoas, e como estas tocam e são tocadas. A sexualidade influencia pensamentos, sentimentos, ações e interações e, portanto a saúde física e mental. Se saúde é um direito humano fundamental, a saúde sexual também deveria ser considerada um direito humano básico.” (WHO TECHNICAL REPORTS SERIES, 1975)

Devemos compreender também que tudo que sentimos e vivemos acontece no nosso corpo, portanto, não é possível separar a sexualidade do corpo ou pensar no corpo sem considerar a sexualidade. Por isso, ouvimos tantas mensagens de controle do nosso corpo, “fecha a perna”, “não chora”, “tira a mão dai” etc, que tem por objetivo controlar também a nossa sexualidade e como consequência acaba nos afastando de conhecer e cuidar do nosso corpo e aumentando a nossa vulnerabilidade.

Todo mundo tem sexualidade?

Sim, afinal a sexualidade está presente desde quando nascemos até à nossa morte, o que irá acontecer é que a sexualidade humana pode se transformar ao longo dos anos, dependendo das experiências que a pessoa se permite vivenciar. Sendo assim, é possível entender a sexualidade como uma característica dinâmica e não estática, imutável, ou seja, assim como os cabelos mudam de cor e de textura ao longo dos anos, a sexualidade também muda conforme o tempo passa. A maneira como nos sentimos atraídos pelas outras pessoas também pode mudar em intensidade, em orientação e em identidade, ao longo da vida e de acordo com as vivências que os indivíduos se permitem.

Todo mundo tem direito a sua sexualidade?

Sim! Você, seus amigos(as), familiares, professores(as)… Têm o direito de viver a sexualidade sem medo, vergonha, culpa, falsas crenças e outros impedimentos à livre expressão dos desejos.

FONTE: Blog “Vivendo a Adolescência” – Brasil

Enfim, o desenvolvimento psicossexual do adolescente está diretamente ligado ao que este vivenciou na infância, entretanto, as vivências sexuais e/ou experiências da sexualidade nesta fase estão referenciadas às novas e atuais experiências, bem como, as mudanças no olhar e na escuta da sociedade quanto ao tema.

Mas, os psicanalistas também reconhecem que as fantasias sexuais são comuns a todos os adolescentes, independente de época, dentro da nossa cultura ocidental. Encontramos relatos de experiências sexuais muito semelhantes quanto ao início da atividade sexual, sua preparação, seus questionamentos quanto ao amor, afetos, sua frequência, suas dificuldades, a aceitação familiar e do seu grupo, seu prazer…seu gozo. Portanto, podemos pensar que as fantasias adolescentes são intergeracionais, ou seja, todas as gerações vivenciam as mesmas angústias nessa tumultuosa passagem entre a infância e a idade adulta e, como é ritual de passagem, a adolescência passa…

O insensato de não saber

Ana Ferreira

01 de Setembro de 2019

Após a leitura do artigo escrito por Almeida Henriques (Presidente da Câmara Municipal de Viseu) o Colectivo LGBTI Viseu sentiu-se na obrigação de comentar a desinformação propagada. Comentamos porque esta é a cidade que representamos e como tal vemos a nossa luta para tornar esta cidade mais diversificada e respeitadora dos Direitos Humanos manchada por tais palavras. Publicámos este sábado dia 24 de Agosto um artigo de opinião que contém o decreto e o despacho tão comentados e pouco lidos, caso contrário creio que não seriam necessárias tantas palavras para explicar o que está implícito nestes.

É necessária e urgente a implementação de leis que protejam todos os seres humanos, porque a cada dia que passa Portugal experiencia um retrocesso civilizacional disfarçado de opiniões preconceituosas e fóbicas. Eu não tenho de gostar do meu vizinho do lado, mas tenho de respeitar, porque é assim que começa o ódio e é assim que ele se espalha, com a desinformação e com o rumor de que as pessoas LGBTI+ são a representação do mal e de uma qualquer ideologia de género. Seria mais importante focarmo-nos na educação, saúde e bem estar de todos os seres humanos e deixar de pensar que as nossas diferenças não permitem a convivência em harmonia.

O sofrimento das pessoas não pode ser posto numa caixa porque algumas pessoas consideram um tema “fracturante”, contra natura, ou pouco próprio de alturas pré eleitorais. Os tabus da sociedade têm de quebrar as correntes que os prendem e sair para a rua, porque não lamento se a minha existência o choca ou se a existência de todas as pessoas LGBTI+ no seu ponto de vista não tem qualquer importância.

O Estado quando elabora leis como a que com este tipo de artigos se tenta distorcer não é o “impor de padrões ideológicos”, pois ser LGBTI+ não é uma ideologia, ser transexual ou intersexo não é uma ideologia e muito menos uma teoria. A ciência avança a cada dia e a OMS tem vindo a desmistificar ideias e conceitos errados sobre a população LGBTI+, cabe a todas as pessoas manterem-se actualizadas sobre estas questões de forma a puderem tornar-se seres mais humanos e permitir que a vivência de pessoas que durante centenas de anos lutaram contra os estigmas da sociedade possam viver e existir numa sociedade mais justa, diversificada e humana. Acreditamos que Viseu pode fazer melhor, que se pode tornar uma cidade menos fóbica, mais tolerante.

Resumir uma lei que salva vidas a uma discussão sobre quem pode ir a quais casas de banho acreditamos ser uma violência aos Direitos Humanos que enquanto Colectivo defendemos. Resumir uma lei que engloba a prevenção e promoção da não discriminação, a promoção de mecanismos de deteção e de intervenção sobre situações de risco, a criação de condições para uma proteção adequada da identidade de género, expressão de género e das características sexuais das crianças e dos jovens e a formação dirigida a docentes e demais profissionais, entre outras tantas questões a uma situação de “(…) a possibilidade da utilização de casas de banho e balneário sdas escolas passarem a ser de escolha expressa por parte das crianças, independentemente do sexo e idade (…) não é correcta.

O preconceito e o ódio não podem estar presentes quando se falam em direitos humanos, pretende-se tornar as escolas mais inclusivas e diversificadas, onde as diferenças de cada um devem ser respeitadas. Formar as pessoas envolvidas no contexto escolar é algo positivo, para que desta forma cada criança se sinta segura e não rejeitada por ser quem é.

A educação não é uma ideologia, é a base de qualquer sociedade civilizada.

Direitos Humanos não são opiniões

Ana Ferreira

24 de Agosto de 2019

Foi aprovado no dia sete de agosto de 2018 o decreto de Lei nº38/2018 que incide sobre o Direito à autodeterminação da identidade de género e expressão de género e à proteção das características sexuais de cada pessoa. No dia trinta de Julho do ano corrente foi emitido o despacho que estabelece as medidas administrativas para implementação do previsto no n.º 1 do artigo 12.º da Lei n.º 38/2018, de 7 de agosto.

https://dre.pt/pesquisa/-/search/115933863/details/maximized

https://dre.pt/home/-/dre/123962165/details/maximized?fbclid=IwAR1HeE-LzHvCiyp1Kn0OfzlieNRW9xBN3O4W1Vi6TgF6K34WyMSVyIBigr8

Acredito ser o calor que deturpa mentes e que usa e abusa da palavra ideologia para justificar preconceitos e fobias. Desta forma deixo a definição da respectiva palavra para que de uma vez por todas as pessoas que se sintam mais confusas quanto à sua utilização possam ter uma fonte fidedigna de informação sobre o que esta representa.

(fonte: https://dicionario.priberam.org/ideologia)

Creio que após esta breve leitura possa ter esclarecido a questão tão assustadora para muitos, de que de repente as associações civis de direitos humanos/LGBTI+ e o estado tenham concebido uma disciplina a ser inserida em contexto escolar e no programa de educação existente nas escolas portuguesas denominada como ser transexual e intersexo. Não, o governo não está a oficializar a implementação da “Ideologia de Género nas Escolas”, por isso leiam antes de assinar o que quer que seja.

Acredito que existam muitas pessoas confusas sobre toda esta desinformação que se tem propagado, mas a Lei e o Despacho que a acompanha defendem apenas uma coisa, o direito a ser e a existir sem ser discriminado e sobretudo respeitando os Direitos Humanos. Não, não existe nenhuma ciência de como se tornar Transgénero a ser ensinada nas escolas, existem apenas soluções para que as crianças e jovens trans e intersexo possam sentir-se mais seguras na sua intimidade e privacidade e que seja ensinado nas escolas o respeito, porque esse sim é o único que está em causa aqui.

Deixo-vos aqui o link do pseudo debate que decorreu na Sic Notícias entre o psicólogo Nuno Pinto Presidente da Associação ILGA e o jurista José Seabra Duque esta quinta-feira. Chamo-lhe pseudo porque de facto é impossível que isto tenha sido um debate. Em primeiro lugar porque quando confrontado com a questão do que é ideologia de género José Seabra não respondeu e passados quinze minutos ainda continua à volta da frase “casos concretos” como se esta fosse um bote salva vidas, coisas que acredito que desconheça para que serve.

https://sicnoticias.pt/opiniao/2019-08-22-Despacho-sobre-criancas-transgenero-nas-escolas-e-trapalhao-e-foi-feito-a-pressa?fbclid=IwAR1e6_oUHwamrLnicX7K45mqvKLFwHqui3g6RcIuo5XUBDBD9UXURsF8LVA

Depois do que vi nesta rubrica e do que li na petição proposta questiono-me onde de facto se encontram aplicados os Direitos Humanos. Para quem se questiona muitas vezes o que é o trabalho do associativismo LGBTI+, e se ainda é preciso, creio que isto vem provar que ele é urgente. A cada dia vemos mais leis sim, mas de igual forma vemos mais pessoas a carregarem um conjunto de opiniões pessoais que não respeitam o direito à existência de cada um e que atropelam constantemente os Direitos Humanos. Cada lei que é implementada carrega o sofrimento de inúmeras pessoas e longe de nos tornarmos mais cívicos e humanos, existe quem atira para o ar frases como ideologia de género para defender a ignorância e o preconceito.

Sexualidade Infantil e as suas manifestações

Iara Lugatte

05 de Agosto de 2019

Sigmund Freud foi o primeiro teórico a falar sobre sexualidade infantil, tema um tanto polémico para a compreensão dos adultos. Na verdade, a psicanálise aborda a sexualidade como parte de um longo processo de estruturação psíquica, sendo esta teoria a mais importante referência nesta área.

Tudo começou no início do século 20 com Sigmund Freud ao apresentar o seu trabalho de investigação acerca da sexualidade na XX Conferência de Viena, quando ele afirma, para espanto da comunidade científica da época, que a criança tem sexualidade. Em tempo: Freud não desenvolveu a teoria da sexualidade infantil com crianças, mas com os pacientes adultos, pois observou nestes, alguns transtornos psicológicos, nomeadamente a histeria. Portanto, a criança não foi o objeto inicial da sua investigação, muito menos o foco do estudo de Freud mas, a fonte aonde ele foi buscar respostas para ajudar os seus pacientes nos  problemas emocionais que estes vivenciavam.

Logo, como nos diz a psicanálise, podemos afirmar que a sexualidade não está circunscrita ao sexo, pois o conceito freudiano sobre a sexualidade é muito mais abrangente do que se supõe. Na realidade ela está intimamente ligada a descoberta do próprio corpo e com a possibilidade de encontrar prazer com ele.

Afirma o senso comum que a infância é uma angelical fase do desenvolvimento humano, afirmação esta que acaba por sustentar alguns equívocos, um deles é que as crianças são seres amorfos e assexuados. Entretanto, a sexualidade infantil é naturalmente manifestada de variadas formas, como nas brincadeiras, na descoberta pelos genitais e nos questionamentos e curiosidades que não raro constrangem os pais. Esse constrangimento se dá porque os pais nem sempre conseguem discernir as diferenças entre sexualidade infantil e sexualidade do adulto. Diante de uma curiosidade da criança quanto a sexualidade, por vezes, os pais – atravessados pelas suas próprias repressões internas – sentem-se impelidos a censurarem os filhos e/ou preferem respostas cheias de fantasias e inverdades, rapidamente percebidas pelas crianças. Entretanto, é através do modo como os adultos falam sobre a sexualidade à criança que ela constrói suas crenças a respeito da mesma, percebendo-a como prazerosa ou indecente.

Quando a criança começa a explorar as partes do seu corpo, gradualmente ela experimenta sensações que vão desde a descoberta das suas mãos aos genitais. Posteriormente, ao tocar as zonas erógenas ela vivenciará outras sensações de prazer que tentará repetir. O corpo humano será sempre fonte de interesse para a criança, assim como, outras coisas que constituem o seu mundo. Entender que a criança não se excita sexualmente como o adulto, é primordial.  A sexualidade da criança é exclusivamente sensorial, é assim que ela sente prazer. Ao tocar nos seus genitais, ela descobre uma sensação agradável provocada pelo estímulo físico, diferente da sexualidade do adulto que é constituída de fantasias eróticas.

Ainda assim, é importante que os pais conversem com os filhos sobre o assunto para esclarecer que apesar de ser prazeroso tocar os seus genitais, isto só deverá acontecer em contexto privado, já que o seu corpo é propriedade dela, somente. Transmitir noções de privacidade e proteção são de grande importância nessa fase.  Também é interessante observar que as crianças brincam livres dos conceitos engessados sobre distinção de géneros ou de uma conotação erótica. Elas experimentam os papéis de mamãe e papai, exploram os corpos de bonecas/os para averiguar as diferenças físicas entre meninos e meninas; são curiosas, querem ver e/ou tocar a genitália do/a amiguinho/a de forma a conhecerem-se melhor. Não há nada de mal nisso. Cabe aos pais/educadores explicar a anatomia diferenciada para cada sexo e o respeito ao corpo do outro. É um desafio? Talvez, afinal, a sexualidade infantil sempre foi um tema desafiador para pais e professores, então, aceitemos o desafio.

Certamente que algumas crenças (morais, religiosas, culturais, etc) mitificam a sexualidade, tratando-a como algo fora do humano, impedindo que a mesma deixe de ter um aspecto natural e próprio do Homem, mas a sexualidade é real, e não deve ser pensada e nem vivida como mito. É imperativo que as crianças confiem no seu sistema familiar para abrir o diálogo sobre o que sentem, confiando na escuta dos pais. E, através do conhecimento e ausência de preconceitos, os pais poderão oferecer a criança uma educação sexual compatível com a sua idade, sem moralismos. Sendo assim, quando o assunto é  sexualidade infantil, não podemos esquecer que as conversas devem ocorrer naturalmente como qualquer outra que temos com as crianças, basta nos despirmos dos sentidos eróticos que imprimimos a muitas situações, escutarmos e falarmos abertamente  sobre suas descobertas e sentimentos, sem dificuldade. Pois, entre inibir as manifestações sexuais das crianças e, estimular aquilo que não pertence às etapas de seu desenvolvimento psico-sexual, existe uma grande diferença. Discernimento e orientação com afeto se fazem necessários, permitindo a manifestação das suas descobertas e dos sentimentos envolvidos nestes momentos de intimidade da criança com ela mesma.

Finalmente, os julgamentos e preconceitos devem ser deixados de lado para que a sexualidade não seja vista como tabu. Falemos às crianças sobre inclusão, direitos e amor. É importante falar para a criança sobre a diferença de género, sem preconceito e sem medo, somente desta forma poderemos falar de respeito pelas diferenças.

Referências bibliográficas

Freud, Sigmund (1905) – Três ensaios sobre a teoria da sexualidade – Obras  Psicológicas Completas de Sigmund Freud Vol. VII – Ed. Imago, Rio de Janeiro.

Masson, Jeffrey Moussaieff (1887-1904) – A correspondência completa de Sigmund Freud para Wilhelm Fliess – Ed. Imago, Rio de Janeiro.

A Homossexualidade na Grécia Antiga

Iara Lugatte

01 de Julho de 2019

A homossexualidade na Grécia Antiga era comum entre pessoas do sexo masculino e, esta prática era denominada pederastia.  A relação amorosa e sexual entre dois homens de idades diferentes, e que o mais velho tivesse uma função importante na sociedade para ensinar o rapaz mais novo na arte de amar e no desenvolvimento do seu intelecto.

Na faixa dos 20 a 30 anos, o homem adulto, era denominado Erastes (o amante) e o jovem aprendiz, entre 12 e 18, era chamado de Eromeno (amado). O Erastes funcionava como um mentor para apresentar ao Eromeno o mundo dos adultos com todas as suas nuances. A pederastia, portanto, não era algo abominável na Grécia Antiga, muito pelo contrário, ela estava ligada diretamente ao sistema de educação e formação ética denominada Paideia.

A Paideia incluía temas considerados fundamentais para o conhecimento do jovem, tais  como:  Matemática, História Natural, Retórica, Gramática, Música, Filosofia, Geografia e a Ginástica. Esse conceito Paideia, tinha um objetivo muito amplo e arrojado, formar um cidadão perfeito, completo e com capacidade de liderança dentro da sociedade. Este era o ideal de educação para o jovem a fim de capacitá-lo para o exercício das suas funções na polis.

Esse conceito surgiu nos tempos de Homero, poeta épico na Grécia Antiga (898 a.C.), e permaneceu em sua essência inalterado ao longo dos séculos, embora variando suas formas de aplicação e as disciplinas envolvidas, mas continua a interessar muitos educadores e pensadores contemporâneos.

Segundo os textos platónicos (Platão) havia dois grupos que os Erastes e  os Eromenos poderiam enquadrar-se: o primeiro, era o dos homens que seguiam as regras de comportamento aceites socialmente, e os ideias masculinos considerados virtuosos, e o segundo, apontava para comportamentos inaceitáveis como a desmoralização e o desequilíbrio na polis.

Quanto a sexualidade na Grécia Antiga, o comportamento sexual e erótico não estava circunscrito a um só pensamento normativo, nem a um só interesse sexual, ou ao que este permitia e entendia como sexualidade. A “ideologia heteronormativa”, por exemplo,  foi pensada e construída no ocidente no século XIX. Assim sendo, a sexualidade na sociedade grega antiga era vivida de forma diferente, pois esta não era vista, apenas, de uma forma binária e polarizada, sendo aceite que o homem pudesse transitar entre os dois polos, sem que isso fosse considerado anormal. 

O termo homossexualidade não aparece no vocabulário da antiga Grécia, ele surge por volta do século XX, portanto, os gregos não se auto-referenciavam como homossexuais, nem se consideravam marginais por terem essa prática, nem como algo anormal. Dito isso, é importante e fundamental algum cuidado nas interpretações atuais sobre as relações entre pessoas do mesmo sexo na antiguidade grega.

Muito se discute sobre o surgimento da homossexualidade na Grécia, e muitas questões são colocadas: Seria ausência de mulheres nos espaços frequentados por homens? Ou seria uma forma de introduzir os jovens rapazes no mundo adulto como um ritual de passagem? Ou, ainda, afinal, a homossexualidade e a heterossexualidade fazem parte da essência humana desde sempre?

Enfim…segundo a visão construcionista (“construção do conhecimento baseada na realização de uma ação concreta” – Seymour Papert), a sexualidade e suas experiências são construções, aprendizados culturais, onde cada sociedade  estrutura-se e organiza-se de forma particular, singular e específica, não existindo formas essencialistas e universais de se vivenciar a sexualidade. O construcionismo aborda o erotismo de forma ampla, ao estabelecer correlação com os aspectos culturais e sociais do indivíduo. A análise desse campo deve ser feita observando o tecido social como um todo, e não individualizando e isolando o campo.

Com a chegada da Psicanálise, há uma mudança radical quanto a visão da sexualidade, aliás, as sexualidades, pois, sendo ela plural, a sua expressão e o seu gozo também são diferentes no outro, ou seja, há sempre a sexualidade do outro que é própria e individual.

Para Freud, a homossexualidade é uma “variante da função sexual” que deve ser respeitada e aceite dentro do parâmetro da normalidade.

E, para terminar, deixarei aqui uma passagem interessante na experiência clínica do Mestre.

Certa feita, Freud recebeu uma carta de uma mãe muito preocupada com a homossexualidade do seu filho, e a sua possível “cura”, e ele responde: “Não tenho dúvidas que a homossexualidade não representa uma vantagem, no entanto, também não existem motivos para se envergonhar dela, já que isso não supõe vício nem degradação alguma. Também, não pode ser qualificada como uma doença e nós a consideramos como uma variante da função sexual, produto de certa interrupção no desenvolvimento sexual. Muitos homens de grande respeito da Antiguidade e Atualidade foram homossexuais, e dentre eles, alguns dos personagens de maior destaque na história como Platão, Miguel Ângelo, Leonardo da Vinci, etc. É uma grande injustiça e também uma crueldade, perseguir a homossexualidade como se esta fosse um delito” (Freud, 1935).

E…segue o baile!

A Liberdade de Ser

Ana Ferreira

28 de Junho de 2019

Para nós seres humanos o tempo nunca chega e a história parece sempre um passado longínquo. Continuamos a sair para as ruas e a reivindicar direitos pelo fim de um preconceito que teima em se manter vivo. Ainda continuamos a lutar pelo direito de ser.

Em 1969 a maior parte dos países considerava ainda a homossexualidade um crime e a punição variava entre a prisão e a pena de morte. Infelizmente o retrato continua a ser o mesmo em muitos países ainda em 2019.

A homossexualidade começava a ser descriminalizada em alguns estados nos Estados Unidos, mas as leis não passavam apenas de palavras numa folha de papel e as mentalidades raramente as acompanham.

As rusgas policiais em bares gays eram constantes e como a Lei descriminalizava a homossexualidade a polícia acusava as pessoas que encontrava nessas rusgas de outros crimes. Prendiam funcionários, clientes sem identificação e mulheres trans (a lei nova-iorquina previa prisão para homens travestidos)

Na madrugada de 28 de junho de 1969, num bar em Nova York, chamado Stonewall Inn, a polícia invadiu o local para mais uma rusga. No entanto esta acção resultou no que é visto como o acontecimento mais importante para a libertação do movimento gay e a luta pelos direitos LGBTI+ nos EUA e no mundo.

A violência e a desumanidade com que a polícia tratou as pessoas nessa noite libertou o sentimento de revolta que há muito se acumulava em todas as pessoas que apenas exigiam o direito de ser. Segundo relatos as pessoas ainda estavam detidas dentro do bar quando pedras, tijolos e lixo em chamas começaram a ser atirados contra as janelas e a porta do bar e foi então que a multidão invadiu o local. Reforços policiais chegaram e prenderam as pessoas mas a multidão resistiu. Era a primeira vez que um grupo homossexual se revoltava e humilhava a indevida acção policial. Às 4 da manhã as ruas estavam vazias e o bar estava destruído.

Durante três noites as pessoas retornaram ao mesmo lugar e manifestaram o seu amor livremente nas ruas sobre fortes cargas policiais, durante estes dias a luta ganhou poder porque as pessoas perceberam que finalmente tinha terminado o tempo do silêncio e da clandestinidade, o caminho era em frente pela luta do direito de ser e de existir.

Um ano depois muitas cidades americanas possuíam associações de defesas dos direitos LGBT e deram-se as primeiras marchas do orgulho gay nos EUA. Em 2016, o então presidente Barack Obama estabeleceu o local onde ficava o Stonewall como Monumento Nacional da história norte-americana.

Celebramos hoje 50 anos da Rebelião de Stonewall e relembramos o que é não ter direitos, o que é viver privado de ser e de amar. Continuaremos a sair para as ruas até que os direitos de todas as pessoas sejam respeitados.

Amor

Iara Lugatte

02 de Junho de 2019

Caríssimos, para não nos prendermos a um só olhar – psicanalítico – sobre a sexualidade, pensei em ampliar um pouco mais a nossa “visada” e, voltarmos os nossos sentidos para outras áreas do conhecimentos, tão interessantes e ricas quanto a psicanálise, como a poesia, a música, a mitologia, a filosofia e a arte. Assim sendo, o artigo do mês de Junho será dedicado ao amor, poeticamente.  Escolhi como referência a poetisa Adélia Prado para refletirmos este tema de forma diferente. Neste sentido, também pensei em Afrodite, a deusa mítica grega, que era e, é, nos nossos dias atuais, a presença viva da sensualidade. Considerada pelos gregos antigos como a “Deusa Áurea”,  com o seu dom divino que nos conferiu, EROS, o deus do amor e da beleza.

ERÓTICA É A ALMA (Adélia Prado)

“Erótica é a alma que se diverte, que se perdoa, que ri de si mesma e faz as pazes com sua história. Que usa a espontaneidade para ser sensual, que se despe de preconceitos, intolerâncias, desafetos. Erótica é a alma que aceita a passagem do tempo com leveza e conserva o bom humor apesar dos vincos em torno dos olhos e o código de barras acima dos lábios; erótica é a alma que não esconde seus defeitos, que não se culpa pela passagem do tempo. Erótica é a alma que aceita as suas dores, atravessa seu deserto e ama sem pudores. Por que não adianta sex shop sem sex appeal; bisturi por fora sem plástica por dentro; lifting, botox, laser e preenchimento facial sem cuidado com aquilo que pensa, processa e fala; retoque de raiz sem reforma de pensamento; striptease sem ousadia ou espontaneidade. Querendo ou não, iremos todos envelhecer. As pernas irão pesar, a coluna doer, o colesterol aumentar. A imagem no espelho irá se alterar gradativamente e perderemos estatura, lábios e cabelos. A boa notícia é que a alma pode permanecer com o humor dos dez, o viço dos vinte e o erotismo dos trinta anos. O segredo não é reformar por fora. É, acima de tudo, renovar a mobília interior: tirar o pó, dar brilho, trocar o estofado, abrir as janelas, arejar o ambiente. Porque o tempo, invariavelmente, irá corroer o exterior. E, quando ocorrer, o alicerce precisa estar forte para suportar. Não tem problema cuidar do corpo. É primordial ter saúde e faz bem dar um agrado à autoestima. O perigo é ficar refém do espelho, obcecado pelo bisturi, viciado em esticar, reduzir, acrescentar, modelar – até plástica íntima andam fazendo! Aprenda: bisturi nenhum vai dar conta do buraco de uma alma negligenciada anos a fio. Cuide do interior. Erotize a alma. Enriqueça seu tempo com uma nova receita culinária, boas conversas, um curso de canto ou dança. Leia, medite, cultive um jardim. Sinta o sol no rosto e por um instante não se preocupe com o envelhecimento cutâneo. Alongue-se, experimente o prazer que seu corpo ainda pode lhe proporcionar. Não se ressinta das novas dores, da pouca agilidade, dos novos vincos. Descubra enfim que a alegria pode rejuvenescer mais que o botox. E não se esqueça: em vez de se concentrar no lustre da maçã, trate de aproveitar o sabor que ela ainda é capaz de proporcionar…”

E, se “Erótica é a alma”, a canção e letra de Milton Nascimento e Caetano Veloso confirmam isso: “toda forma de amor vale a pena…qualquer maneira de amor vale o canto…qualquer maneira me vale cantar…qualquer maneira de amor vale aquela…qualquer maneira de amor valerá”. Poética e redentora, ela nos permite e autoriza a olharmos para dentro de nós e enxergarmos a alma que nos habita. Cuidemos dela!

Homossexualidade

Iara Lugatte

02 de Maio de 2019

O artigo do mês de maio será uma homenagem ao médico brasileiro, multifacetado Dr. Drauzio Varella. Penso que todos nós ganharemos com esse texto bem humorado e despretensioso do nosso queridíssimo Drauzio. Neste texto, ele quebra com ideias pre-concebidas sobre as causas da homossexualidade. Afinal, alguns incautos querem respostas e certezas absolutas, transformando a curiosidade numa questão basilar, inutilmente, diga-se de passagem, para tentar explicar o que definido está, simples assim. Roçando a moralidade e conservadorismo, há quem afirme (Psicóloga/o religiosa/o, oi? Não, isto é inaceitável!), insanamente, em pleno século 21, que a homossexualidade é uma doença e, portanto, curável. Mesmo alguns colegas da área psi e médica, arvoram-se em tais afirmações, comprometidos que estão com outras áreas do saber, não com a ciência. Lamentável! Agora, aproveitem o texto que escolhi para vocês, leitores. Boa leitura!

Causas da Homossexualidade – Artigo publicado no portal de Drauzio Varella, médico oncologista brasileiro.

“Existe gente que acha que os homossexuais já nascem assim. Outros, ao contrário, dizem que a conjunção do ambiente social com a figura dominadora do genitor do sexo oposto é que são decisivos na expressão da homossexualidade masculina ou feminina. Como separar o patrimônio genético herdado involuntariamente de nossos antepassados da influência do meio foi uma discussão que monopolizou o estudo do comportamento humano durante pelo menos dois terços do século 20.

Os defensores da origem genética da homossexualidade usam como argumento os trabalhos que encontraram concentração mais alta de homossexuais em determinadas famílias e os que mostraram maior prevalência de homossexualidade em irmãos gêmeos univitelinos criados por famílias diferentes sem nenhum contato pessoal. Mais tarde, com os avanços dos métodos de neuro-imagem, alguns autores procuraram diferenças na morfologia do cérebro que explicassem o comportamento homossexual.

Os que defendem a influência do meio têm ojeriza aos argumentos genéticos. Para eles, o comportamento humano é de tal complexidade que fica ridículo limitá-lo à bioquímica da expressão de meia dúzia de genes. Como negar que a figura excessivamente protetora da mãe, aliada à do pai pusilânime, seja comum a muitos homens homossexuais? Ou que uma ligação forte com o pai tenha influência na definição da sexualidade da filha?

Sinceramente, acho essa discussão antiquada. Tão inútil insistirmos nela como discutir se a música que escutamos ao longe vem do piano ou do pianista. A propriedade mais importante do sistema nervoso central é sua plasticidade. De nossos pais herdamos o formato da rede de neurônios que trouxemos ao mundo. No decorrer da vida, entretanto, os sucessivos impactos do ambiente provocaram tamanha alteração plástica na arquitetura dessa rede primitiva que ela se tornou absolutamente irreconhecível e original.

Cada indivíduo é um experimento único da natureza porque resulta da interação entre uma arquitetura de circuitos neuronais geneticamente herdada e a experiência de vida. Ainda que existam irmãos geneticamente iguais, jamais poderemos evitar as diferenças dos estímulos que moldarão a estrutura microscópica de seus sistemas nervosos. Da mesma forma, mesmo que o oposto fosse possível – garantirmos estímulos ambientais idênticos para dois recém-nascidos diferentes – nunca obteríamos duas pessoas iguais por causa das diferenças na constituição de sua circuitaria de neurônios. Por isso, é impossível existirem dois habitantes na Terra com a mesma forma de agir e de pensar.

Se taparmos o olho esquerdo de um recém-nascido por 30 dias, a visão daquele olho jamais se desenvolverá em sua plenitude. Estimulado pela luz, o olho direito enxergará normalmente, mas o esquerdo não. Ao nascer, os neurônios das duas retinas eram idênticos, porém os que permaneceram no escuro perderam a oportunidade de ser ativados no momento crucial. Tem sentido, nesse caso, perguntar o que é mais importante para a visão: os neurônios ou a incidência da luz na retina?

Em matéria de comportamento, o resultado do impacto da experiência pessoal sobre os eventos genéticos, embora seja mais complexo e imprevisível, é regido por interações semelhantes. No caso da sexualidade, para voltar ao tema, uma mulher com desejo sexual por outras pode muito bem se casar e até ser fiel a um homem, mas jamais deixará de se interessar por mulheres. Quantos homens casados vivem experiências homossexuais fora do casamento? Teoricamente, cada um de nós tem discernimento para escolher o comportamento pessoal mais adequado socialmente, mas não há quem consiga esconder de si próprio suas preferências sexuais.

Até onde a memória alcança, sempre existiram maiorias de mulheres e homens heterossexuais e uma minoria de homossexuais. O espectro da sexualidade humana é amplo e de alta complexidade, no entanto; vai dos heterossexuais empedernidos aos que não têm o mínimo interesse pelo sexo oposto. Entre os dois extremos, em gradações variadas entre a hetero e a homossexualidade, oscilam os menos ortodoxos.

Como o presente não nos faz crer que essa ordem natural vá se modificar, por que é tão difícil aceitarmos a riqueza da biodiversidade sexual de nossa espécie? Por que insistirmos no preconceito contra um fato biológico inerente à condição humana?

Em contraposição ao comportamento adotado em sociedade, a sexualidade humana não é questão de opção individual, como muitos gostariam que fosse, ela simplesmente se impõe a cada um de nós. Simplesmente, é!”

Liberdade de Ser

Ana Ferreira

25 de Abril de 2019

Se ninguém se lembra que um Memorial em Homenagem às Vítimas de Intolerância Homofóbica foi erigido em Lisboa há cerca de dois anos atrás, começamos a acreditar que as LGBTI fobias deixaram de existir, porque o mundo se tornou civilizado e compreendeu de uma vez por todas, que cada um comporta em si uma orientação sexual e uma identidade de género que só a si diz respeito e não interfere com a felicidade de ninguém, ou que retrocedemos em termos civilizacionais e existiu uma espécie de pogrom relativamente à comunidade LGBTI+ e à semelhança dos dinossauros tornamo-nos extintos.

Poderíamos reunir-nos à volta de uma mesa e em formato de brainstorming encontrar mais teorias, mas a verdadeira questão está no porquê de talvez quase ninguém que viva fora de Lisboa, saiba da existência deste memorial e mesmo aqueles que vivem em Lisboa, metade também não creio que saiba.

Se percorrermos um bocado a História observamos que esta sempre foi cruel relativamente à homossexualidade, sendo as perseguições e as mortes uma constante. Durante a Segunda Guerra Mundial milhares de Homossexuais foram mortos devido à sua orientação sexual. A Alemanha pós guerra continuou a fazer uso do código penal nazi para condenar homossexuais.

A treze de Maio de 1974, poucos dias depois do 25 de Abril foi publicado em Portugal o 1º Manifesto da Homossexualidade denominado “Liberdade para as Minorias Sexuais”. Olhado de lado e repudiado por quem então mandava como se a liberdade fosse apenas para alguns, não tendo lugar nesta a orientação sexual que não a hetereossexual. Em 1982 a Homossexualidade deixou de ser considerada crime em Portugal, a liberdade pensava-se afinal chegou, mas infelizmente a civilização não se constrói só com Leis.

Em 17 de Maio de 1990 a Organização Mundial da Saúde (OMS) eliminou a homossexualidade da Classificação Estatística Internacional de Doenças e Problemas Relacionados com a Saúde. Até então, aquilo que conhecemos hoje como orientação sexual, era considerada uma doença. Em Portugal apenas em 2004 foi incluída na Constituição Portuguesa a proibição de discriminar com base na orientação sexual.

Então agora para quem não se lembrava ou não sabia destes pormenores históricos pensem, que há pouco mais de 40 anos ser homossexual em Portugal era ser criminoso e mentalmente doente. Pelas razões que aqui apontei e por todas as outras de igual importância os Memoriais devem ser erguidos, relembrados todos os anos e não serem deixados esquecidos e ao abandono. Porque a Liberdade é sempre dada a conta-gotas e nunca chega ao mesmo tempo a todo o lado, lembremos quem foi vítima da falta dela.

Sim nós temos um Memorial em Homenagem às Vítimas da Intolerância Homofóbica em Portugal.

Nota: Existem onze países que ergueram memoriais em homenagem às vítimas das LGBTI fobias, alguns em várias cidades do mesmo país, são eles Espanha, Inglaterra, Alemanha, Holanda, Polónia (foi queimado), Austrália, Israel, Chile, Porto Rico, Brasil e Estados Unidos.

A sexualidade como motor de busca

Iara Lugatte

03 de Abril de 2019

Vamos falar de sexualidade 

Parte 2

No primeiro artigo falei sobre a sexualidade, bem como, o que a sustenta: a Pulsão (Trieb), conceito que fundamenta a Psicanálise, e não pelo Instinto, o contrário do que muitas pessoas acreditam e/ou confundem.

Neste artigo, e nos próximos, continuarei a falar sobre sexualidade através do viés psicanalítico. Hoje, deter-me-ei a explicar, de forma leve e suave (pelo menos vou tentar) o conceito de Pulsão para que o leitor possa entender.

Segundo a Psicanálise, a Pulsão é uma energia psíquica interna que conduz o nosso comportamento. Esta força psíquica é gerada por acontecimentos e reações internas inconscientes, diametralmente alheias ao processo consciente que nos faz tomar decisões.

Inicialmente, as pulsões eram distinguidas de várias formas distintas, mas com o aprimoramento da teoria freudiana, elas foram reduzidas a duas pulsões básicas: EROS, pulsão sexual, para a vida; e TÂNATOS, ou pulsão agressiva, de morte.

Freud afirma que a base dessas pulsões são dois princípios: atração e repulsão, e que as outras são, na verdade, uma combinação de EROS e TÂNATOS, pulsão de vida e pulsão de morte.

Dito isto,  pode-se concluir que Freud descreveu que uma pulsão é a antítese da outra, ou seja, PULSÃO DE VIDA (EROS) X PULSÃO DE MORTE (TÂNATOS). Entretanto, embora antagónicas, elas não agem isoladamente no psiquismo, e sim em conjunto ao seguir o princípio de conservação da vida.

Assim, para explicar o conceito de Pulsão, o Mestre foi buscar referências na mitologia grega, onde EROS representa o Deus do Amor, força fundamental do mundo que apaixonou-se por Psiquê, personificação da Alma. Ela é representada por uma menina com asas de borboleta que escapava do corpo com a morte; e TÂNATOS, divindade masculina que personifica a Morte e a destruição.

Como podem perceber, Sigmund Freud, homem culto e genial bebeu de muitas fontes para criar a Psicanálise (literárias, musicais, artísticas, míticas, etc), além da sua prática clínica e auto-análise, para melhor entender a alma humana e a cultura.

Assim sendo, a Pulsão segue “À flor da pele” como na música do Chico Buarque de Holanda.

O que será que me dá
Que me bole por dentro, será que me dá
Que brota à flor da pele, será que me dá
E que me sobe às faces e me faz corar
E que me salta aos olhos a me atraiçoar
E que me aperta o peito e me faz confessar
O que não tem mais jeito de dissimular
E que nem é direito ninguém recusar
E que me faz mendigo, me faz suplicar
O que não tem medida, nem nunca terá
O que não tem remédio, nem nunca terá
O que não tem receita

O que será que será
Que dá dentro da gente e que não devia
Que desacata a gente, que é revelia
Que é feito uma aguardente que não sacia
Que é feito estar doente de uma folia
Que nem dez mandamentos vão conciliar
Nem todos os unguentos vão aliviar
Nem todos os quebrantos, toda alquimia
Que nem todos os santos, será que será
O que não tem descanso, nem nunca terá
O que não tem cansaço, nem nunca terá
O que não tem limite

O que será que me dá
Que me queima por dentro, será que me dá
Que me perturba o sono, será que me dá
Que todos os tremores me vêm agitar
Que todos os ardores me vêm atiçar
Que todos os suores me vêm encharcar
Que todos os meus nervos estão a rogar
Que todos os meus órgãos estão a clamar
E uma aflição medonha me faz implorar
O que não tem vergonha, nem nunca terá
O que não tem governo, nem nunca terá
O que não tem juízo

O que pode esta letra do compositor Chico Buarque de Holanda nos revelar sobre as relações homoafetivas, uma vez que somos seres movidos pela Pulsão?

A minha cor não é igual à tua, eu gosto mais de azul e tu?

Ana Ferreira

21 de Março de 2019

Joanesburgo (África do Sul), estamos em 1960 e sessenta e nove pessoas foram mortas numa manifestação pacífica, sobre a existência de um cartão que a população negra era obrigada a usar, contendo os locais onde era permitida sua circulação. 20000 pessoas manifestavam-se pacificamente e a polícia do regime abriu fogo sobre a multidão desarmada resultando em 69 mortos e 186 feridos, apenas porque eram negros. Em memória das vítimas a ONU criou o Dia Internacional de Luta pela Eliminação da Discriminação Racial.

A cada minuto que passa a ciência evolui e novas descobertas são feitas e conceitos erróneos são corrigidos. Infelizmente para muitos tarde demais. Para todos aqueles que viram as suas vidas transformadas e dizimadas devido a uma palavra e a milhares de acções que giraram em torno desta, para esses a ciência chegou tarde demais. Hoje em termos científicos sabemos que a palavra Raça não tem qualquer fundamento genético nem científico. Trata-se de um conceito inventado que serve para nos definir e nos separar. Continuamos a usar como bengala uma palavra para justificar os nossos actos e atitudes de discriminação.

A cor da pele não determina a inteligência, conhecimento, profissionalismo ou carácter de ninguém. Culturalmente fazemos parte de uma sociedade tão vasta, onde todos nos devíamos sentir seguros por ser quem somos, mas infelizmente a cor da nossa pele, o nosso país de origem, a nossa cultura divide-nos, separa-nos de forma muitas vezes violenta, quando devia ser motivo de celebração.

A discriminação em qualquer forma é a representação de uma sociedade primitiva. A educação e informação das populações desde as camadas mais jovens é a única forma de promover a evolução de conceitos e mentalidades e tornar-nos a todos indivíduos aptos para viver em comunidade sem discriminação ou preconceito.

A sexualidade como motor de busca

Iara Lugatte

03 de Abril de 2019

Vamos falar de sexualidade (Editado)

Parte 1

Estamos no Século 21 e, ainda hoje a sexualidade é considerada tabu, ninguém sabe, ninguém vê, ninguém fala. Um tema complexo e controverso em vários sectores da sociedade, principalmente dentro da família e nas escolas. Com algumas distorções, tabus e repressões acabam por reduzir o tema Sexualidade a genitalidade, mas este é muito mais abrangente do que o sexo como um ato isolado.

Entretanto, sem avançar muito no tema, proponho um olhar mais sensível e reflexivo sobre o que é Sexualidade, e qual a importância desta na construção do nosso psiquismo. Para tal, farei uma breve incursão pela Psicanálise, área em que me frequento há mais de 30 anos, e onde estou mais a vontade para refletir.

Em geral, discutir Sexualidade, é tropeçar em muitas pedras no meio do caminho, esbarrar em muitos muros que separam o Homem do seu Desejo. São barreiras sociais, religiosas, morais que dificultam a compreensão do tema.

Mas, polémicas a parte, a Psicanálise nos possibilita uma nova maneira de pensar a sexualidade, algo tão evidente no nosso sentir. A Psicanálise surge em fins do Século 19 afirmando que a sexualidade é a ferramenta que abrirá a mente humana. Sigmund Freud começa por afirmar que a sexualidade nasce com o sujeito, ela existe desde o início da vida, passando por várias fases, bem como, por um longo e complicado processo de desenvolvimento, até chegar a sexualidade do adulto.

Freud foi o mais importante teórico/pensador a abordar a Sexualidade. E, para desconstruir a ideia de uma sexualidade com base na genitalidade ou com finalidade reprodutiva, somente, diz que não, que a sexualidade não é instinto e, sim, pulsão, libido…e que o Homem é um ser desejante. Assim, ele cria um novo cenário que difere do conceito biológico, ao afirmar que a sexualidade é sustentada pela Pulsão (Trieb), conceito fundante da Psicanálise, e não pelo Instinto.

O conceito de Pulsão é totalmente diferente de Instinto, ou seja, funciona através de uma outra lógica, a lógica do Desejo. Para Freud, a Pulsão é a manifestação da sexualidade humana, possui um comportamento não pré-formado e, sem objeto específico do seu desejo. Enquanto o instinto traduz o comportamento padrão dos animais, hereditariamente determinado e com objetivo específico de procriar.

Foi com a Psicanálise, especificamente a partir das ideias de Freud, que o tema foi ganhando destaque e discussão, embora correndo o risco de se encontrar pela frente muitas barreiras, morais e ideológicas. Mas, para Freud a sexualidade é a porta de entrada pela qual o indivíduo experimenta o mundo, o sente e o internaliza. É através da utilização do seu corpo, com os seus furos e buracos que este entra em contato com o mundo. E, deste contato entre indivíduo-mundo, desperta o psiquismo e sua construção, atravessado pelo pensamento e pela linguagem.

Marielle, um ano depois

Ana Ferreira

14 de Março de 2019

Um ano depois.

Marielle tornou-se num símbolo de resistência não só no Brasil mas pelo mundo fora. Em todo o lado, em qualquer manifestação Marielle está presente, num cartaz, numa t-shirt, na mente de cada uma das pessoas que sente que a sua morte como um atentado aos Direitos Humanos.

A violência contra a comunidade LGBTI não parou, continua a existir em Portugal, no Brasil em todo o lado, então porque devemos nós parar? Cada marcha pelos direitos LGBTI+ é um grito de luta por todos nós, por tudo o que ainda é preciso fazer neste mundo. Ficar de braços cruzados assistindo impavidamente ao espezinhar dos Direitos Humanos não nos torna melhores mas sim iguais aos que baixam os pés sobre nós.

Lutemos como Marielle lutou, para que ninguém mais morra como Marielle morreu.

Dia Internacional da Mulher

Ana Ferreira

08 de Março de 2019

O dia 8 de Março foi oficializado pela Organização das Nações Unidas em 1975, mas antes disso englobou em si diversas lutas. A Revolução Industrial, as guerras, a fome e a falta de condições dentro e fora do trabalho foram trazendo as mulheres às ruas em protestos. A mulher devia ser silenciada enquanto ser inferior.

Actualmente o Dia Internacional da Mulher encontra-se romantizado, onde a oferta de flores e a sua venda desmedida alegram a economia, mas a igualdade ainda não existe.

As leis existentes estão aquém do que se poderia denominar de sociedade igualitária. Na maior parte dos países as mulheres ainda trabalham as mesmas horas do que os homens mas por salários inferiores, têm menos regalias, mais tarefas e são inclusive despedidas por engravidarem.

As tarefas ditas domésticas são consideradas uma obrigação da mulher e não de ambas as pessoas que englobam um casal e que partilham a mesma casa.

A violência sobre as mulheres deixa a cada ano que passa mais vítimas. Aquelas que nunca mais poderão contar a sua história e aquelas que não o fazem por medo de represálias.

As mulheres da comunidade LGBTI+ sofrem várias formas de violência, são discriminadas por serem mulheres, pela sua orientação sexual e por não ocultarem a sua existência.

Em Portugal apenas em 2004 foi incluída na Constituição Portuguesa a proibição de discriminar com base na orientação sexual. As leis vão sendo aprovadas e legisladas em Portugal, mas a sua aplicação está longe de conseguir combater o preconceito.

A igualdade é um sonho quando devia ser uma realidade.

Gisberta Salce Júnior, treze anos depois

Ana Ferreira

22 de Fevereiro de 2019

Estávamos em Fevereiro de 2006 e o corpo de Gisberta Salce Júnior, de 46 anos foi encontrado num poço, num prédio devoluto na zona do Porto. Gisberta transexual brasileira que vivia no Porto há cerca de 25 anos foi violentamente torturada durante três dias, por um grupo de 14 adolescentes, com idades compreendidas entre os 13 e os 16 anos. Após esses três dias de tortura os adolescentes lançaram-na para dentro de um poço ainda viva tendo, segundo a autópsia, morrido afogada.

Estamos em 2019, treze anos e muitas leis depois, Portugal transformou-se num dos países mais avançados em questões de igualdade de género. Infelizmente, as mentalidades ainda precisam de pelo menos mais treze anos, até que de facto sejamos um país igualitário e sem preconceito.

Quanto menos se espera bate-nos à porta

Cláudia Soares

25 de Fevereiro de 2019

Quando menos se espera bate-nos à porta. Pela quarta e última vez neste mês de Fevereiro o colectivo LGBTI Viseu promoveu um ciclo de cinema de temática lgbti. Como até ali fizemos após a abertura de portas esperámos os participantes da mesma acção na Av. Doutor António José de Almeida (rua da central rodoviária de Viseu) junto à Sede do Núcleo do Sporting Clube de Portugal de Viseu. Estava quase findo o tempo de recepção quando sou abordada por um indivíduo que vindo do outro lado da rua, onde deixa cerca de quatro ou cinco conhecidos, me aborda para questionar sobre o que estou ali a fazer. Respondi dizendo que estava a promover um ciclo de cinema de temática lgbti que iria começar dentro de instantes. O indivíduo prontamente abre o fecho do casaco para que eu pudesse ler, com todas as letras o que estava escrito na sua camisola.

Confesso que inicialmente tive alguma dificuldade dado o tipo de letra trabalhado e dada a informação que entretanto oiço e confirma algo em que não queria acreditar. “Sou skinhead” – diz com bastante entusiasmo, sorrindo. Alonga-se ainda e com ar e tom provocador questiona “Algum problema?”. Penso duas vezes antes de responder e acabo por dizer, um pouco à revelia do que gostaria de dizer na realidade, que ele tem a mesma liberdade do que eu, ele ser o que afirmou e eu promover uma acção pró lgbti. Entretanto os conhecidos que inicialmente ficaram retidos no outro lado da rua juntam-se ao primeiro chamando-o com alguma efusividade. Vendo os conhecidos a afastarem-se apressa-se em terminar a conversa, sempre com um sorriso injustificado e desafiador como quem espera outro tipo de reacção e como quem saberia como iria reagir num passo ensaiado previamente caso eu reprovasse de alguma forma o facto de ser skinhead, dizendo que com muita pena não vai puder ficar para assistir à sessão. Rapidamente se perde no horizonte (e eu posso respirar de alívio).

Quando menos se espera a opressão pode estar à espreita, não foi o caso desta vez mas quem sabe se não haverá grupos organizados de indivíduos com o mesmo tipo de ideologias que este. O objectivo desta nota não é apelar ao medo e receio mas pelo contrário apelar para que não deixemos de prestar atenção ao que nos rodeia porque quando menos se espera os movimentos de extrema direita batem-nos à porta e não vão esperar pela resposta para entrar.

A comunidade LGBTI+ em Viseu

Ana Ferreira

16 de Fevereiro de 2019

“Em 2005 a comunidade de Viseu viu abater sobre si o monstro da discriminação e do preconceito, com perseguições e agressões a pessoas da comunidade LGBTI+ e outras que não fazendo parte da comunidade foram tomadas como tal e agredidas de igual forma.

Treze anos depois Viseu vê num Domingo de Outono mais de 1000 pessoas a marchar sobre as cores de uma enorme bandeira LGBT, e de outras mais pequenas representativas de diversas orientações sexuais e identidades de género.

A “Marcha do Amor” transformou Viseu, mas até que ponto é a pergunta que fica no ar. Algo se quebrou na sociedade de Viseu em 2018 e nós tentámos contribuir para o quebrar do preconceito e da discriminação. (…)”

Os resultados do inquérito encontram-se aqui em formato pdf para puderem descarregar e ler na íntegra.

Agradecemos a todos os que se disponibilizaram a responder. Obrigada!

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